A propósito da "preocupante" abstenção (os políticos arrepiar-se-iam se baixasse para 2/3%), que com votos nulos e brancos demonstrou que 58,32% dos portugueses não se pronunciaram no referendo sobre o aborto, o jornalista e poeta Manuel António Pina, na sua habitual crónica "Por outras palavras", na última página do JN de hoje, traça um objectivo "comm il faut" ao panorama político-social que decorre, quase 33 anos depois do 25 de Abril, inesquecível alvorada libertadora que cada vez mais se vai esquecendo.
Lembra e constata o cronista que há 9 anos, num esplêndido dia de sol, a maioria dos portugueses terá preferido ir para a praia do que votar. Ontem, dia assaz cinzento e chuvoso, outrossim na mesma atitude indiferente, os portugueses terão optado por fruir um descontraída passeata nos "shoppings". Eu desconfio que ficaram em casa a sanear o desgosto pela eliminação do Benfica na Taça.
Refere ainda a inepta percepção dos políticos em descrédito sobre o desinteresse do povo pela política, gravosamente tendente a ausentar-se da participação cívica, a ponto de ressentir-se e deslizar para a retoma salazarenta (talvez pretenda honestidade, dignidade e respeito) que um concurso de TV está a revelar.
Fecha com a azada expressão em francês "la pluie et le bon temps" para ironicamente evidenciar que da próxima, quiçá com tempo moderado, os portugueses ainda se abstenham, aproveitando para para matar saudades e encher os jardins desertificados nos actuais domingos.
Oh, até me apetece fazer um poeminha:
Televisão, automóvel, telemóvel,
trindade hodierna tutelar,
ilusão, caixão, estar sem lá estar,
ir e vir, dormir e acordar...