Meus olhos estão enevoados como a manhã baça que evolui a passos largos agora. O frio ainda enrijece meus ossos e eu persisto, tenho de vencer o invencível. Esforço hercúleo, basta uma hesitação para que eu deixe de acordar, pois nestes dias a preguiça nos invade...Cadê a coragem para cedo levantar, cedo caminhar e cedo partir para onde? Meus olhos embaçados de lume fumarento, de embaçadas vidraças de vapor condensado, estão se acostumando à semi-escuridão. Mal posso crer que eu tenha de sair da obscuridade e enfrentar a luz cegante que se nos oferece quase que a meio palmo de meus olhos úmidos de frio e de conforto recém-perdido.Conquistas se fazem e eu passo a passo me levanto, deixo cair uma peça de roupa que esquecida ficou pendurada em algum canto do corpo, agora partes de meu braço se expõem, eu estico os membros e o máximo que consigo fazer é mudar alguma posição daquele que até agora se rendia aos ditames da noite veloz. Nem eu nem ninguém consegue, em sã consciência, enganar o mestre dos sonhos e se manter acordado neste frio que se avizinha, as folhas caindo das árvores e os pássaros aquietados. Nem o galo canta, quanto mais eu me arrastar para fora das cobertas! Névoa, lume, vapor que sobe nos ares, ruídos que se compactam, uma buzina aqui, um arrastar de janelas acolá, um ou outro pássaro que ousa sair de sua toca escondida em meio a árvores hirtas de gelo e neblina. Que invade tudo, que mescla cores fantasmagóricas numa bruxuleante manhã de um inverno incipiente, que se mistura a sonhos de crianças que correm para os ónibus ainda exaustas e choronas, que se mistura aos ossos dos mortos nos cemitérios e aos plátanos estrangeiros, esta neblina que me vem em ondas encardidas de luz enevoada, que me faz sorrir e pensar na vida e nos meus, esta neblina...
Maldito inverno que chega de mansinho!