Estava na fila de automóveis esperando a balsa que nos atravessaria para o outro lado do Vaza Barris - um percurso vantajoso na viagem de e para Aracajú - quando a moça e um rapaz se aproximaram da janela do carro.
Ela era u´a mulata bem robusta, alta, jovem de uns 20 anos e portava um bocado de folhetos. Muito simpática, ofereceu-me um e ainda mencionou que conhecia o escritor. Li o papel e constatei que se tratava de propaganda de um livro lançado por autor desconhecido, pelo menos para mim.
Sem que indagasse, ela me disse que se tratava do primeiro livro daquele escritor, um jovem como ela, muito bem escrito, com tema atualíssimo.
Disse-lhe que vinha para Salvador e que não tinha como adquirir a obra.
Sem perda de tempo esclareceu que certamente eu encontraria o livro nas boas livrarias da Bahia, e que não deixasse de comprá-lo.
A conversa ficaria por ai, ela já se afastava com seu companheiro, quando lhe informei que já publicara três livros. Mostrou-se interessada e perguntou sobre que assuntos os livros tratavam.
Tenho sempre à mão, no automóvel, exemplares do último lançamento, um livro de Cronicas e casos do Banco Económico e enquanto pegava um para mostrar a ela, perguntou quanto custava cada exemplar. Respondi que as livrarias o vendiam por vinte e cinco reais.
A moça acima do peso não titubeou: abriu a amassada bolsa para retirar o dinheiro e foi me dizendo que ficaria com um.
Aquilo me deixou surpreso e orgulhoso. Imediatamente rabisquei generosa dedicatória e ofereci o livro à moça, que o aceitou encantada.
Ela se afastou, manobrei para subir à balsa e continuar a viagem com outro astral.
Deve ser um fato raro para qualquer autor relativamente desconhecido que pessoas estranhas e pobres se interessem em comprar seus livros. Mais incomum, ainda, é que o fato aconteça numa rodovia, no meio do nada.
Mas, além do provável ineditismo, o que realmente assombra nos dias de hoje é descobrir que ainda existem jovens que amam os livros, que se comprazem em lê-los, mesmo sem qualquer referência sobre eles.
A moça da balsa que acariciou o meu ego é um exemplo de que nem tudo está perdido neste país, que coisas boas estão ainda acontecendo, até mesmo em lugares que não constam do mapa, como é o caso desse "ponto" Ã s margens do rio Vaza Barris.
Onde será que essa mocinha estuda, que professora incentivou seu gosto pela leitura? Ou terá sido seus pais, algum parente, um amigo?
Se seu interesse pela leitura foi adquirido na escola, um viva à s escolas de Sergipe e ao secretário ou diretor de ensino que instituiu a obrigatoriedade do manuseio de livros.
Lembro-me que o primeiro presente que ganhei de pessoa que não era parente foi um livro de história do Brasil, gesto de um compadre de meu pai que tomou a iniciativa após saber que eu havia passado no exame de admissão ao ginásio com boas notas.
Adorei a lembrança e recentemente fiquei triste ao descobrir que aquele voluma já não se encontrava mais em minha biblioteca. Perdeu-se numa das muitas mudanças de residência e cidades, ou foi um dos que ofereci à biblioteca da Diocese de Juazeiro, que soube possuir mais de cinquenta mil livros hoje em dia.
Uma das coisas que me choca é constatar que os estudantes de cursos superiores, muitos já diplomados e até professores não sabem escrever, têm dificuldade em expor suas idéias e não têm o hábito da leitura. Essa situação é uma tragédia sem remédios à vista. Se a gente for ler a comunicação dos jovens através dos "sites" de relacionamento existentes na Internet não entenderá nada. È uma linguagem toda deles, cifrada.
Não sei se a moça da balsa tem computador em casa, pela pinta parece que não. Mas, se utiliza esse fantástico recurso para seus contatos fora do mundinho do Vaza Barris tenho certeza de que o faz para aprender cada vez mais.