Hoje pela manhã veio-me a imagem de minha mãe, dizendo-se orgulhosa por ter um filho "gerente". Era assim que se referia a mim na sua simplicidade, para definir minha capacidade de abstração brincando de "faz de conta" e ao ver-me falar aos bichos, tais como as formigas, aranhas e marimbondos. Depois, o rosto alegre de meu pai, ao receber como presente duzentos gramas de fumo-de-corda, dois cachimbos, um canivete e uma binga com seu nome gravado, itens que escolhi a dedo no Mercado Municipal.
Não tardou e logo surge a escolinha da fazenda, com Dona Elza à porta anunciando o fim do recreio. É impossível esquecer tão dedicada mestra, à quem eu presenteara, depois de adulto, com uma plaquinha de "honra ao mérito" com desenhos das letras A, B, C, e os números 1, 2, 3, referências aos primeiros passos do conhecimento através da escrita. Comovida pela homenagem, Dona Elza chorou de alegria acariciando a simbólica retribuição. Instantes depois, rimos muito ao recordarmos os anos de ternura que ficaram para trás.
Depois foi a vez de relembrar Dona Vitalina, a quem eu chamava maliciosamente de Vitamina, pela semelhança entre as palavras. Mais que autoridade, a última professora da minha infància tornára-se minha amiga, quando nos encontramos alguns anos depois, facilitado pela relação de quase vizinhança. Depois de vinte e cinco anos morando fora da pequena Birigui, e retornando na intenção presenteá-la com um exemplar do meu primeiro livro, ninguém mais naquela rua tinha notícias de minha professora. Diziam uns, que se mudara; outros, que morrera há tempos. Ela não devia ter-se mudado, e nem morrido - dizia para mim mesmo em pensamento. Meu Deus... como pode o tempo passar assim desse jeito sem que a gente perceba?!
Intrigado com tantas lembranças, ainda que doces lembranças, procurei encontrar as causas que me levaram a entrar no túnel do tempo em busca de fatos tão longínquos, porque dizem que quando estamos diante de desafios que imaginamos insuperáveis, tendemos à busca de refúgios, resgatando imagens dos momentos em que julgamos termos sido verdadeiramente felizes. Mas, cá tenho eu a crença de que nossos anjos tornam-se visíveis toda vez que estamos diante de situações inquietantes para nos amparar, consolar e advertir. Ao concluir, surpreso, que as razões que me assolavam a alma não eram suficientemente dignas de serem alimentadas, recorri à auto-censura como medida providencial. Para arrefecer meus sentimentos ainda desarvorados, escolhi um filme do inesquecível Mazzaropi e continuei minha viagem no tempo, agora, por outro caminho não menos rico de romantismo, nostalgia, mas acrescido de humor. Amanhã será um novo dia. Pressinto que o enfrentarei de igual para igual, otimista e revigorado. Entretanto, hoje, antes de dormir rezarei para que meus anjos também fiquem em paz.
(9/7/07)