Empregado sexagenário, responsável, trabalhador e honesto vinha amargando muitas provocações no local de trabalho. Até que um dia, de manhã, não eram oito horas, encontra a sua mesa em situação desagradabilíssima. O sol escaldante, de verão, penetrava por entre as frestas deixadas nas persianas por trabalhadores que, ao fazer limpeza, não tiveram o cuidado de ajuntá-las.
Com delicadeza, solicita à serviçal (que há tanto conhece e dedica atenção): melhorar aquele estado de coisas, uma vez que o rapaz a quem ela estava substituindo fazia isso com regularidade e sempre corretamente.
Frustração total. Ela não executa o reparo nem explica porque não o faz. Apenas vira-lhe as costas e continua conversando com uma colega que nada desenvolve também, a não ser atrapalhar os briosos funcionários que desejam silêncio para fabricar, com mais rapidez e em maior quantidade, os produtos de primeira necessidade e de extrema aceitação no mercado.
Sem alternativa, desolado, dirige-se à chefe do serviço administrativo e tenta relatar o ocorrido (aproveitando, é lógico, para mencionar alguns pontos que, no seu entender, deviam ser ressaltados).
Prezada senhora:
Conforme é do seu conhecimento (por motivos óbvios!), há décadas, lavo o meu copo e limpo a minha de trabalho. Se necessito, como quase todos, usar a copa, deixo-a, invariavelmente, bem mais limpa e higiênica do que encontro. Do seu conhecimento também é a dificuldade que enfrento − abnegadamente
(desde que o serviço veio para este andar trazendo resquícios de mazelas passadas) − com o sol que penetra entre as persianas e aumenta, ainda mais, o calor em dias de verão.
Sem dificuldades e com presteza, esse obstáculo é contornado corretamente quando está de trabalho o servidor X, muito atencioso e rápido, o qual, no momento, se encontra de férias.
Comprar novas folhas, adquirir outras persianas. Alguém diria. Você sabe, tanto quanto eu, que a firma o faz e sempre o fez; claro, dentro da previsão orçamentária e das possibilidades económicas (haja vista a enormidade de equipamentos, caros e de primeira geração, espalhados por nossas dependências e até na sede sem uso nenhum); porém, registro que somente a aquisição não adianta nada (até prejudica) se não houver zelo (e você sabe muito bem que, em parte, não há) dos que têm o dever (por força do contrato de trabalho, do nosso Regulamento e das muitas normas, hoje todas informatizadas; sem falar no que é de bom-senso, de racionalidade, de honestidade, de consuetudinariedade e até das imprescindíveis condições de convívio social.
Em face do exposto e considerando que os trabalhadores devem ter de efetuar também a limpeza das lajes que ficam debaixo das persianas, o que certamente prevê o contrato respectivo, solicito o favor de conversar com o chefe deles e pedir que não lhe faça a assepsia: na extensão das janelas que ficam em frente à minha mesa (no máximo, uns três metros). Pode deixar que eu, já conheço bem os pormenores e realizo esse mister com muito prazer e orgulho: o pior é dormir na lama por não ter iniciativa para se lavar.
Transmito-lhe esta mensagem porque felizmente tenho ciência do seu desempenho e da qualidade do seu serviço. A empresa nada tem que ver com isso. Ela nos paga (e remunera muito bem) para gerir os seus recursos. Cabe-nos empenhar com afinco para que não a decepcionemos.
Esperança tenho de que alguma providência adotará. Entretanto, reforço: a riqueza maior está no saber aproveitar bem os recursos escassos. O pouco, se for administrado com eficácia, pode tornar-se grandioso.