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Cronicas-->RECEITA PROFILÁTICA -- 10/01/2001 - 00:39 (Roberto Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
RECEITA PROFILÁTICA



Soco no saco não é nome de chinês, luta tailandesa ou chute nos testículos, como se pode confirmar. O clima pesado, ferve os ànimos, na fábrica de fraldinhas do subúrbio da cidade. Ciente da situação estopim a incendiar, o chefe de setor chama o psicólogo de plantão da empresa, para consultar uma receita eficaz para os funcionários enervados.
- Os nervos estão à flor da pele, doutor. Todo mundo, na ponta dos dedos - um querendo comer vivo o outro. O Sub-Chefe do setor 6, acertou os dentes do Anselmo Benevides e, mais não fez porque foi contido a tempo.
O Dr. Calixto, franziu as sobrancelhas, num gesto enviesado. Ajeita a gola encerotada do paletó e joga-se para trás na poltrona, sem palavra.
- A produtividade caiu - diz, o chefe. - Temos que alcançar as metas da matriz. O senhor sabe...
Entende a gravidade da situação. Mas por que tanto frenesi? O doutor Calixto é um homem firme, sereno na sua postura, de uma calma inquietante. O peso dos anos já lhe dera experiência suficiente, mas também uma certa demência a qual nunca admite. Quando alguém toca no assunto aposentadoria, ele desconversa: "com o advento da terceira idade, todo mundo está no mesmo saco", brinca. Sentado na poltrona da sala do chefe, espreme com o dedo a cinza no cachimbo, traga fundo e sopra pelas narinas uma fumaça escura, inundando a sala. Sem fólego, o chefe procura ar para respirar, enquanto ouve o conselho.
- Nada tão sério, assim. Basta ter calma.
- Como não, doutor? O departamento de pessoal, cheio de reclamações: briga, agressão, lesão corporal, rixa...
- Faz parte da natureza humana, chefe. É o produto da diversidade - as divergências constroem.
Como Freud - pai da psique - que dormia enquanto examinava os pacientes, o doutor Calixto é uma alma inusitada. Não tem a menor pressa em recomendar seu receituário de soluções ortodoxas. Mas antes de as revelar, quer saber.
- Como se chama, saco que pugilista treina?
O chefe, não sabia. E curioso.
- O que tem a ver saco de pugilista com o comportamento do pessoal da fábrica doutor?
Silêncio. "Fosse o que fosse: saco, almofada" - não lembra o nome, agora. O certo é que, em sua cabeça, está pronta a receita.
- Compre bastante saco de pugilista. Um para cada dois funcionários. Pendure-os em setores, subs-etores e reserve dez minutos pela manhã, quinze à tarde para a turma se divertir nos sacos, descarregar porradas.
- O senhor está maluco, doutor? Esta é uma fábrica de fraldinhas, não de violência. Precisaria aprove da direção geral...
- É o que você pensa, chefe. Esta é a terapia certa pra doença errada - sentencia.
Alto, barba grisalha no queixo, o doutor Calixto guarda o sotaque meio Riobaldo, tanto Minas. E quando o chefe ia tornar a falar, percebeu que o psicólogo já havia transposto a rua em frente, deixando atrás um rastro de fumaça sinistro. (rcarvalha@tba.com.br)


Roberto Carvalho, Escritor, Jornalista e Crítico


*Membro da Associação Nacional de Escritores - ANE
União Brasileira de Escritores - UBE-PI e ARESC-PI Tel: (xx61) 322-0882 - Brasília-DF
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