Seguindo a linha do politicamente correto, hoje abordarei um tema que inquieta as famílias, sobretudo as de classe média. Trata-se da questão relativa ao número de copos deixados na pia diariamente após o jantar quando, teoricamente, as lides na cozinha deveriam ser encerradas. Uma aguinha gelada aqui, outra ali e cada evento é um copo que resulta na pia. Água para o remédio do fulano, água para o sicranozinho que chegou da rua e está com muito calor. E mais copos. É claro que fulaninho, sicraninho, Dr. Fulano, embora tenham sede inesgotável, não lavam copos. Nem os próprios, imagine aqueles deixados na pia, sabe Deus por quem. As vezes são lavados por encanto, mas tão logo estejam todos lavados eles voltam à pia como o criminoso que volta à cena. Não importa o quanto se lave, eles voltam.
Ocorre que a imensa maioria das famílias de classe média, hoje já não conta com auxiliares de tempo integral, tornando-se impossível deixar um plantonista para a constante lavagem de copos deixados na pia.
Torna-se necessário então eleger uma alma superior que aceite esta tarefa como uma missão divina, como um dever intransferível. Claro que esta função é cultuada em todo o mundo ocidental. Chama-se maternidade. Por isto estas pessoas chamam-se Mãe. Quem mais lavaria tantos copos reclamando tão pouco. Mas hoje os tempos são outros e mesmo as mães já não fazem sem reclamar. Mas fazem.
Se ninguém mais quer lavar os copos deixados na pia após cada bebericarem noturna, antes de mais nada há que tomar algumas decisões muito importantes.
Copos descartáveis? Nem pensar. Se não, quantos copos seriam necessários para suportar uma noite? Deve-se considerar neste caso que, no dia seguinte todos serão lavados por uma fada madrinha. Não sendo assim, advirá o colapso e a quebradeira de copos, o que não seria politicamente correto. Como consequência, temos a teoria da inevitabilidade da fada madrinha. Se é inevitável, ela existe. É, está provado, fada madrinha existe.
Estudos detalhados feitos ao longo dos últimos cinquenta anos na Waterglass University indicam que deve-se ter um copo para cada dez libras peso. Este número foi validado também na Coldwater School na Inglaterra. E todos sabem como os ingleses são meticulosos. É fácil. Soma-se os pesos, em libras, de todas as pessoas presentes na casa no dia em questão. Após divide-se por dez. Tens-se então o número perfeito de copos a serem colocados à disposição para o uso naquela noite. Este cálculo é válido para noites fora do horário de verão. Durante o horário de verão deve-se aumentar em dez e meio por cento.
Se o armário está suprido com tal quantidade de copos e faltar, tenha certeza de que está ocorrendo um excesso. Este excesso acabará sendo apontado também em sua conta mensal de água, comprovando o acerto da teoria. Não tenha receio de apontar tal ocorrência e não se constranja em lacrar a geladeira. Basta, é hora de todos se recolherem.
Associada a esta questão há outras não menos importantes. Quem deve encher a garrafa d´água? Qual o nível a partir do qual deve ser considerada vazia? Será válida a estratégia de sempre deixar uma gota e dizer que ainda não está vazia? É valido colocar água diretamente da torneira para não ter que esperar a morosa operação a partir do filtro? A geladeira pode ficar aberta enquanto se enche um copo d´água? A garrafa pode ficar transbordando por quanto tempo até que se note que já está cheia? E, mais importante, uma mãe tem o direito de reclamar?
