Saudade de tempos distantes e do uniforme de brim, lenço no pescoço e quepe na cabeça.
Da vibração dos desfiles de 7 de Setembro.
Bons tempos do Horto Florestal. Cinema, matinê e vesperal.
Passeios de bicicleta com meu pai, pelas poucas ruas asfaltadas na época. Nenhuma saudade dos pés-d’água gelados longe de casa.
Quermesses com cheiro bom de churrasco e auto-falante animado.
Missa de domingo às seis da manhã na Catedral... Quanto esforço pra acordar, tanto prazer de ir e voltar, nenhum motivo que pudesse explicar...
Nos cafezais, sábado de pagamento. Nos armazéns, dia de movimento.
Domingo, carona no caminhão do tio pra ir a algum sítio visitar outro tio.
Traquinar com Carlinhos, rir de tudo com Ariovaldo, filmar as meninas com o Paulo Décio.
Ver futebol no Fernando Costa e campeonatos noturnos na quadra do Comercial.
A vitalidade e as histórias da boemia na Vila Ribeiro.
Sentar na calçada pra ver a moçada voltando das aulas noturnas.
De madrugadinha, ir com meu pai ao Dourado, sonhando com a piapara no anzol.
Noites de adolescente sozinho em sábado vazio, ao consolo da música vibrante em algum parque distante.
Nas margens do Campestre, seguir os passos do pai, que seguia o canto do curió, quando isso não fazia dó.
Lembranças de apitos... Apitos solitários que abrandavam a noite, afastavam mistérios e advertiam becos sombrios, soprados pelo pontual guarda-noturno. Era manco de uma perna e vagaroso nas duas. Da janela, eu via seus passos cansados e a solidão que o emboscava toda noite. Mas algo em sua ronda inspirava confiança. Talvez sua persistência, o olhar gelado e o rosto enrugado, como as temidas personagens de Charles Bronson.
Primeiros tempos do Cine Lins, onde se combinavam as emoções dos épicos estrangeiros e o glamour das moças da cidade.
Primeiros tempos do I.E. 21 de Abril, entre a descontração simpática do Professor Júlio e a matemática impiedosa da professora famosa, temida como um teorema e desejada qual musa de Ipanema.
Deliciosas e intermináveis histórias contadas pelo professor Joaquim Borges Rodrigues.
Os hábitos do inesquecível professor Agostinho, que convocava educação física para o escuro do inverno e na neblina das 6.
Saudade das opções de fuga: trocar a confusa aula do novo professor por momentos filosóficos no banco da Praça da Bandeira, entre canteiros floridos e passarinhos alegres. Que meus netos façam o mesmo, sem nunca “matar” a aula.
Acordar bem cedo e cumprir a missão de moleque útil em raros tempos de vacas gordas: pedalar até o Retiro Indiano pra buscar o leite no curral. Saudade do leite? Muito mais do cheiro do mato amanhecendo e do banho de orvalho no tênis furado e no pneu surrado.
Saudade de tanta gente que circulava de Vespa, turma que roncava com Lambretta e alguns que desfilavam de Jawa malagueta.
Sábado, passeio caipira com salgadinho do Bira. Domingo, com as crianças à noite, para um lanche de rei, sempre no Autaddei.
Café sem pressa na Esquina do Pecado. Depois, sair do trabalho cansado. E porque passava da meia-noite, a gente passava na padaria da “Batian”, alto da Rui Barbosa, entrando pelos fundos, como os velhos fregueses, para chegar em casa com pão quente na mão.
Saudade, saudade dos guias pelas mãos dos quais encontrei meus caminhos. Sem fazer injustiça a outros, por dois tenho especial gratidão pelo apoio quando hesitei, confiança quando tremi e força quando precisei: radialista Cilmar Machado e o então funcionário da Delegacia Regional do Trabalho, Nelson Pereira da Silva.
Porque retribuir é dever. E recordar é viver.
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