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Cronicas-->Hei de vencer (*) -- 23/08/2007 - 17:00 (Benedito Pereira da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hei de vencer (*)


Conheci, no meu local de trabalho, um elemento deveras
interessante. Chamava-se Félix. No máximo, 1,60m de
altura. Magro, cabelos encaracolados. Pele branca como leite.
Compenetrado e espontàneo em suas atitudes. Andava
sempre apressado e fazia tudo o que lhe pediam com a maior
rapidez possível. Vinte anos de idade, muitos sonhos na cabeça
e uma vontade enorme de vencer.


Possuía um curioso hábito que deixava a mim e aos
demais colegas intrigados.


Invariavelmente, chegava às 7 horas e 50 minutos no
expediente inicial e 10 para as 14 no segundo. Era sempre um
dos primeiros. Alegre, registrava a sua frequência no relógio
de ponto. Feitos os cumprimentos de praxe, sentava-se,
fechava os olhos por algum instante, respirava profundamente
e pronunciava bem baixinho, quase imperceptíveis,
duas ou três palavras.


Transmitia-nos a impressão de estar fazendo alguma
prece. Em seguida, abria a gaveta do lado esquerdo de sua
mesa e apanhava com desvelo uma caixa verde, de aproximadamente
15cm3. De dentro desta, retirava outra de igual
cor, na qual havia minúscula caixinha e, nesta, um papelzito
de uns 3cm2. Neste (de longe, com certa dificuldade, dava
para ver), estavam escritas 3 (três) palavras não legíveis. Pe-
gava-o, lia e guardava com carinho. Estava constantemente
muito preocupado com a quebra daquele sigilo. Adotava,
pois, toda a cautela (às vezes rompida pela nossa indiscrição),
para que não fosse visto. Fazia aquilo como quem manipula
um tesouro.


A operação, que nos deixava perplexos, era repetida
religiosamente duas vezes por dia.


Louco desejo de saber o que segredava tão importante
pedacinho de papel: uns diziam que era bilhete da namorada,
alguns supunham ser uma oração; outros, até pensavam em
macumba! Eu imaginava muitas coisas e, como os demais,
permanecia aflito para descobrir aquele mistério.


Nenhum de nós tinha coragem de indagar-lhe o conteúdo
do bilhetinho. Por mais que tentássemos, jamais conseguíamos
chegar bem próximo, quando ele abria a sua gaveta
e pegava a misteriosa caixa. Se ocorresse de alguém se aproximar,
ia rapidamente fechando-a e desconversava.


O enigma era grande. A cada dia que passava, íamos
ficando mais apreensivos. Nossa maior vontade era a de
desvendá-lo; mas como? Era difícil! Necessitávamos obter
cópia de sua chave e não podíamos deixá-lo desconfiar dessa
intenção. Todavia, ainda que a obtivéssemos, agitava-nos uma
dúvida: de que jeito abrir a gaveta, sem que nos descobrisse?


Passados 6 meses de vãs tentativas, não havíamos atingido
o nosso objetivo. Félix, por demais precavido, não nos
dava a mínima oportunidade.


Contudo, eis que um dia as coisas começam a mudar.
Nosso ídolo chegou atrasado. Cara fechada. Cabeça baixa.
Não cumprimentou ninguém. Não respirou fundo como de
costume, não fechou os olhos, não disse palavra alguma nem
puxou a gaveta como habitualmente fazia. Vendo-o assim,
pensamos: deve estar doente ou com algum problema familiar.
Tentamos conversar com ele. Não correspondeu. Permaneceu enigmático e taciturno.


Lembro-me muito bem. Naquele dia, realizava suas tarefas rotineiras e, de vez em quando, atendia ao telefone. Falava baixo, veladamente. Não se ouvia o seu diálogo. Não eram 18 horas, quando, após receber um tefonema, deu um grito estridente e saiu correndo espavorido. Desceu os 4 andares do edifício pela escadaria, assustando a todos que encontrava.

Na rapidez com que se ausentou, esquecera a cobiçada peça em cima da mesa. Fui o primeiro a vê-la; mas, logo os colegas começavam a notá-la também. Todos a queriam. Todos almejavam pegá-la. Havia, no entanto, certo receio. Olhávamos uns para os outros como se fóssemos meninos querendo comer doces, antes de cantar os parabéns. Até enfim, alguém anunciou: "Esqueceu-se da chave!" "Oba!" foi o sussuro geral. Sentenciou um colega: "Abramos a gaveta!" Outro disse: "Peguemos depressa a caixinha!" A mais preciosa jóia estava quase em nosso poder. Alguma discussão em torno do assunto e resolvemos que haveria disputa para decidir quem, de posse dela, faria a abertura.

Nesse ínterim, um dos nossos colegas olhou por acaso pela janela e disse: "Olhem! O Félix já está na rua!" Quando nos aproximamos, vimo-lo pegar o ónibus que passava em frente.

Pensamos em fazer a votração. Foi sugerida cara ou corou, par ou ímpar, e muitas outras formas de solução para casos semelhantes. Finalmente, optamos pela decisão por meio de palitinhos. Disputa empolgante, fiquei com a honrosa incumbência. Confesso que a aflição era suficente para me fazer suar da cabeça aos pés. Tremia de emoção. Todos ansiosos, desejavam ver de perto o mágico papelzinho.

Cautelosamente, abri a gaveta (com todo o cuidado para não deixar sinais visíveis de violação), retirei a caixa maior; de dentro dela, a segunda e, sucessivamente, a terceira (a menorzinha delas). Ao abrir esta, peguei o papelucho, fechei-o dentro da minha mão direita e disse: vamos apostar o que está escrito? Vamos ver quem adivinha? Quem topa? Silêncio geral... Notei a inviabilidade da minha proposta.


Lembraram-me de que deveríamos ganhar tempo; havíamos
gastado boa parte dele. O amigo poderia retornar a
qualquer momento e nos surpreender.


Por fim, com a alegria de quem realiza tremenda façanha,
abri o até então incógnito papelzinho. Esperava tudo,
menos que nele estivesse escrita a seguinte frase: HEI DE
VENCER! Depois da sua leitura em voz alta, solene e grave,
via-se estampada, no rosto de cada um, certa decepção.


Com algum sacrifício, recoloquei tudo no mesmo lugar,
tranquei a gaveta e pus a chave no local em que encontrara.


Naquela tarde, não mais retornou. Era sexta-feira.
Como aos sábados e aos domingos não trabalhávamos, esperávamos
vê-lo somente na segunda, a não ser que fosse ao
futebol de fim de semana que costumávamos realizar, ou, por
outra, que o víssemos na missa.


Muito embora estivéssemos desiludidos com a nossa
proeza, devo confessar que, em parte, estávamos realizados.


Cheios de incertezas, atormentava-nos agora saber o
que teria ocorrido com o nosso companheiro. Afinal, ele era
benquisto por todos.


Como não poderia deixar de acontecer, antes de sairmos
da repartição, comentou-se ainda: "Puxa! Vai ser legal
ver-lhe a cara, fazendo todo aquele ritual, sem ter ciência de
que o seu segredo foi descoberto!" Guardamos o material,
fechamos os armários, arrumamos as mesas e descemos. Cada
um seguiu o seu caminho.


Nosso camarada não participou do futebol de sábado.
No domingo, não foi à missa. Na segunda-feira, não trabalhou.
Aguardamos o dia todo, e nada! Muitas suposições
fizemos. Ele jamais faltava. Algo de grave deveria ter-lhe
ocorrido...


Na terça, obtivemos notícias: ganhou sozinho a quina da Loto e descansava em local ignorado.


Decorridos 15 dias, o seu procurador esteve na empresa para tratar da sua rescisão trabalhista. Não conversou conosco nem trouxe informações sobre o nosso ex-colega. Dirigiu-se à Divisão de Pessoal e deu-nos a impressão de haver saído como entrara.


Nunca mais vimos o Félix.


_________
(*) Boletim da ESAP, ano 7, nº 12, Brasília (DF), novembro de 1984, pp. 21 a 25, e "VII Antologia NAU Literária", Campinas (SP), Editora Komedi, 2005, pp. 16 a 20.






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