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Cronicas-->Sete Pragas -- 02/10/2007 - 18:44 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Estranho quando ficamos sós. Mas assim, sós, a sós mesmo, sem pessoas por perto. Tenho ficado cada vez mais isolado, desde que me decidi a partir da cidade, que a essa hora virou um silêncio só. Eu resisti bravamente à idéia e quando fui tomar uns tragos no bar, vi que chegara a hora de partir, porque eu mesmo me servi, eu mesmo preparei o drinque, assustado porque ninguém me atendia, só o barulho do vento e alguns clientes chorando enquanto que aglomerações se formavam para ler as últimas notícias, que percebi serem assustadoras, uma vez que mais de uma pessoa saíra correndo exclamando:
--Preciso ver as crianças, preciso, oh meu Deus, preciso...
Mas esse saiu tossindo e todos se afastaram dele e ele pediu ajuda e eu não tive coragem de olhar quando ele gritou. Já estava me acostumando, e eu vivia sozinho desde que minha família se fora, um a um, como pequenos pássaros, como chamas apagadas, eu já nem tinha, como não tenho agora, lágrimas para chorar, então eu vi que era chegada a hora. Dei um jeito e vendi tudo o que tinha, teve até um maluco que se propunha a guardar minhas coisas, mas eu disse que não valia a pena, afinal... Muitas lembranças e ele disse, eu entendo, passei por isto também e uma lágrima se formou em um canto de seus olhos endurecidos, mas ele sabia do que falava e se conteve, então acertamos o preço e eu peguei minha mala que sobrara com poucas peças de roupas e me pusera a caminhar até a estação de ónibus, completamente lotada, com crianças berrando, mulheres chorando e alguns coitados pedindo comida,de cortar o coração. Eu virei um solitário, arranjei forças e venho andando a pé, há meses. Minha mala se esfacelou, tenho uma muda de roupas e uma trouxa e algum dinheiro, mas consegui abrigo na casa de uns matutos aqui neste mato escondido, presumo que andei bastante, porque fazia tempo que carro algum passava por mim, O único que passou me deu carona, um caminhão cegonha com carros que jamais seriam entregues...
--Para quem a encomenda?
--Sei não seu moço, só sei que tomei a direção contrária.
--Muito ruim por lá?
--Dizem que muito; fecharam tudo. Tem meganha pra todo lado, tem milico nas pontes, eu tentei entrar e um camarada com um uniforme estranho me fez voltar. Eu é que não vou voltar!
--Mas o que acontece? Eu tenho notado isto...
--Também não sei não seu moço, só sei que lá pros lado de onde eu vim, é que vou pra lá. Nada de grande cidade. Vou é ficar com meus filhos e se for a hora, espero estar com eles também.
--Como sabe que eles estão bem?
--A mulher me disse. Todos bem. Sabe, todo mundo a esta altura aprendeu a atirar a esmo.
--Verdade?
--É o que falam.
Ele me olhou de um jeito esquisito quando eu puxei um lenço, mas só passei na testa e ele se aliviou. Na primeira chance me deixou sozinho na estrada e cá estou no mato, com estes matutos a me observar. Eles me olham como se eu fosse estranho, como se eu fosse um bicho, mas tem vezes que eu penso que eles me observam de outro modo...
--Cumo é que tão as coisa lá pra debaixo sinhozinho?
--Não sei. Mas não estão boas.
--Nóis ouvimos uns barulho lá pros lado de lá, longe mesmo. Mas parecia trovoada, uns clarão grande, quase qui um sol...
Era o que eu temia, era uma opção, ainda bem que saíra, porque a essa altura já não teria tempo de sair, como eu tinha sentido num sonho onde minha ex-esposa me dizia para me apressar e eu acordara com tosse e medo. Os matutos me conheciam e confiavam em mim, eu aprendi a mexer na terra e ajudava na lavoura, mas meus olhos sempre tentavam captar algo deles e um dia um deles me trouxe mais notícias, que os milicos tinham vindo e tomado as estradas e cidades vizinhas e faziam muitas pessoas andarem em fileiras, com crianças, velhos e mulheres e tiravam uns que eles achavam na fila e colocavam em caminhões brancos e eu sabia, era hora de andar então contei a eles a verdade. Nenhum deles se comoveu um segundo.
--Se chegou a hora, sinhozinho, nóis prefere ela aqui, em nossas terra. Com mandioca, milho, raiz do chão e pranta de tudo que é tipo, porque das carnes a gente só conhece a dos preá que a gente caça e dos tatu que cai na armadilha. De modos que...
...Continuei minha marcha e agora eu posso divisar ao longe, de noite, as imensas fogueiras e os clarões; como ribombos de trovão, serão tiros? Bem sei que não, bem sei que não. Espero que quem leia essas linhas saiba interpretar o que sinto, porque já de nada valho sem os que amava e queria e a solidão se tornou inseparável companhia. Umas noites eu durmo, mas hoje, inexplicavelmente, ardem meus olhos...
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