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Cronicas-->Finados -- 03/11/2007 - 22:26 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ando nos cemitérios em volta das tumbas observando os olhares de santos voltados aos céus em eterno pedido de súplica, elevando as mãos em prece desqualificada, com um riso de escárnio no rosto enquanto os outros choram.

Isto não traz meu pai de volta. Este andar em meio a agónicos prantos não o revive, não revitaliza seus olhos antes tão profundos, este riso presunçoso antes o afasta mais de minha presença, mas os silenciosos ciprestes me envolvem com suas sombras cónicas e eu medito à espera de um milagre. Os outros choram. Remexem flores nas tumbas, conversam baixinho com lápides cobertas de musgo e eu lá, desapegado de tudo.
Ele andava entre nós, com suas vestes sempre aprumadas e com inegável senso de justiça e honestidade. De sua lembrança faço meus passos e os anjos cobertos de limo e poeira me dão a certeza, ele nunca estaria aqui, jamais estaria aqui nesta quietude que aos outros (que choram lágrimas de sangue, de crocodilo, de saudade) desespera.

Isto não o faz voltar ao presente, só posso tê-lo no passado e num quàntico futuro, numa supercorda cósmica que tenha armazenado sua substància atemporal, suas idéias brilhantes e seu humor anódino, seco, ácido e ancestral. Eu ando e meus passos secos me assustam à entrada da última porta, onde um policial vigia os transeuntes com seu olhar profissional, que é como o meu, identifica idiossincrasias denunciadoras, que pinça pequenas falhas de conduta que possam desmascarar o pequeno ladrão de jazigos, o furtador de vasos de flores, o larápio de pequenas imagens de pedra, talvez até o grande ladrão de almas e vidas (este sempre passa despercebido, ladrando convulsamente...). Ele mede meu corpo de cima a baixo e me deixa passar, como se não soubesse de nada, como se em minha face não se estampasse a culpa, o dolo, a vergonha e o medo, ele está em outro mundo, deve ser dos de lá mais do que dos de cá. Passo em grandes passadas por ele ainda ouvindo o gemido e os prantos dos que chegam e saem.

Definitivamente, isto não regenera a imagem de meu pai, não deixo de pensar que ao morrermos saímos pela porta dos fundos da História. Uns se vão alegremente, outros o fazem às escuras, sufocados. Alguns ousam a luta, muitos se perdem no estreito caminho, mas sempre eu vejo isto tudo como um apego inútil. Vejo como fuga, supremo abandono ao supremo medo de não existir. Será que realmente existimos em essência ou o que somos é existido e quando nos damos conta, apenas somos apagados para que sejamos novamente chamados numa outra existência não menos pífia, não menos brutal ou amesquinhada?

Estes e outros pensamentos turvam minha mente quando penso em minha relação tensa com aquele que me fez viver, não sem antes imaginar seu encontro com minha mãe desmesurada em carinhos e esperas. Imagino seu encontro e vejo daqui o brilho do ventre dela enquanto a habitava num monólogo solitário, sentindo as mãos que aguardavam seu primogênito; Podia imaginar tudo nestas horas, acho que daí meus sonhos recidivantes de voar por cima dos prédios que habitaram minha infància até a adolescência problemática e solitária. Isso, claro, não traz o meu pai de volta da escuridão nem faz reverberar sua voz marcante, de maneira alguma traz seus sapatos sempre brilhantes à soleira de minha porta. De modo algum eu o posso reviver, agora.

Só me resta rezar. Que descanse em paz.
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