Conta uma antiga lenda carioca que certa vez dois leões fugiram do Zoológico da Quinta da Boa Vista.
Um foi parar na floresta da Tijuca e comeu o pão que..., quer dizer, passou fome e foi literalmente comido por mosquitos e outras feras do tipo que só andam em grupos.
Esse foi capturado em poucos dias em estado de inanição. Após uma semana, sob cuidados de veterinário, retornou à s ridículas funções de fera enjaulada.
O outro foi encontrado depois de uns três meses, gordo e bem disposto em um canto escuro da garagem de um ministério (o Rio de Janeiro ainda era a capital federal).
De volta à jaula, sua boa aparência espantou o colega de fuga que relatou o seu infortúnio e foi direto ao asunto:
-- Afinal onde você se escondeu e como arranjou comida esse tempo todo?
-- Bem, confessou o recém recapturado leão:
-- Eu me escondi na garagem de um ministério, e em cada dia devorava um funcionário.
-- E ninguém percebia? (Indagou o outro).
-- Não porque escolhi justamente um lugar onde os equipamentos, utensílios e ferramentas pareciam sugerir trabalho.
-- Sim, e então?
-- Logo que percebi que aquela gente não era muito chegada ao serviço, consequentemente aquele canto não seria nunca visitado.
-- Bom, o esconderijo está explicado, mas quem você escalava para comer e quando?
-- Nos primeiros dias, me alimentei sem critério, mais na base do abafa, para atender ao apetite. Porém, Ã medida que o tempo passava, o paladar ia apurando e o bucho dilatando: passei a selecionar melhor.
-- Como?...
-- Sem dúvida, os mais gordos tinham a preferência. Entretanto, o fator determinante mesmo era o horário: servidor que chegava muito cedo ou saía muito tarde era "balão apagado", ainda que estivesse em duplas.
-- Tudo ia extraordinariamente bem. Em cada dia eu garfava um, só um. Ás vezes, até capturava dois para não perder a viagem; não obstante, a ração era: um por dia.
-- Mas como te pegaram?
-- No dia (de azar e absolutmente infeliz!) em que devorei o cara que servia o cafezinho. Foi um reboliço completo: gente nervosa andando a esmo, chefes gritando com subalternos, funcionários correndo de andar em andar para sorver o matutino ópio, mulheres alvoroçadas em grande palavratório desconexo, e mais...
Sem muita alternativa, os responsáveis pela segurança decidiram evacuar o prédio.
Fui descoberto. Capturaram-me. Ah! Se, naquele dia fatídico, eu soubesse que aquela carne meio insossa era de um fazedor de café e que o seu sumiço seria notado, tinha escolhido outro elemento para matar a minha gulodice.
Moral da história: o indivíduo que faz o cafezinho é extremamente importante!
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(*) Brasília, DF, 30/07/1999. Ao caro amigo Benedito uma lembrança de minha passagem pelo departamento. Com estima, João Guilherme Baars Miranda.