Lá fora uma cigarra canta em sol maior. Pelo ar uma sombra de mistério e de saudade. Papai Noel chegando de mansinho e se instalando sorrateiro no coração da criançada. E nós que, um a um, vimos morrer todos os sonhos. Ficamos a indagar: "Por onde andará nossa velha boneca de pano, nosso desengonçado bebê de celulóide?" Quantas vezes embalamos em nossos braços estes seres, como se gerados fossem dentro de nós! Hoje nossas crianças sonham motos, carros do ano, num anseio louco de velocidade.
Crescemos e nos perdemos no tempo respirando poluição e técnica. O espaço tornou-se restrito para nossos passos, e gigantescas pedras obstruíram nossos caminhos. Vivemos correndo à procura de algo, sem saber que é na espera que está a nossa realização.
Volentamos nossas ilusões como pétalas emurchecidas a caírem em solo estéril, sem lembrar que a semente se renova para tornar-se algo concreto. É Natal! E lá longe um sino toca anunciando que o menino há de nascer de novo. E entre ovelhas e pastores há de mostrar à humanidade toda que, sendo Rei do mundo, fez da manjedoura o seu bercinho e dos animais seus fiéis companheiros.
Sobre o pequenino ser há uma mulher que se debruça em contemplação. É Maria, a acalentá-lo sorrindo, desde o primeiro grito, testemunhando, com gestos de heroina, seu último suspiro. Quanta lição poderíamos tirar do madeiro! Jesus morrendo entre dois ladrões e perdoando a turba no instante derradeiro. No entanto, dois mil anos já passados e continuamos os mesmos fariseus dos tempos de antanho! Não comemos o alimento impuro porque ele comtamina o nosso corpo, mas não titubeamos em permitir que saiam de nossos lábios palavras amargas contra nosso irmão. Atiramos mil pedras nas indefesas Madalenas e esquecemos quão fraca é a nossa carne.
É Natal! É tempo de lembrar pelos presépios vivos do mundo, tal como Jesus Menino, há crianças nascendo sem direito sequer de uma existência digna. Pelos casebres mais humildes crescem inúmeras Marias caminhando pelos atalhos sofridos, tais como os lázaros do novo mundo, Ã procura de algo que mate a fome e a sede dos filhos seus. Pelos barracos sem Deus, pobres Josés, sem crença e sem fé, já não esperam, no dia que amanhece, o despertar de uma nova aurora.
É Natal! E lá fora uma cigarra canta em sol maior. Mas cá dentro de tua humanidade, Senhor, como uma sinfonia inacabada, o coração, em esparramos de ternura, canta hosanas ao Menino que há de nascer de novo, para trazer ao mundo um pouquinho de paz... uma réstia de esperança... uma migalha de amor!
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(*) Pettená, Arita Damasceno. Piracicaba (SP), Clube dos Escritores, ano XIV, abril de 2008, Opinião, p. 34.