Parece que de nossa vista, à frente, bem ao fundo, além de onde a brisa e a bruma se esvai, está lá um pedaço de terra que se avizinha, ora se tem! É bela a visão de toda a maneira, que tal é o alvoroço que fazem os pássaros nas velas enfunadas de nossos navios e tanta a festa que assume o comando na galé de nossa nau, exausta de miasmas e mau-cheiro, com tantos marujos cansados. Lá, bem à nossa vista, aonde pode alcançar o que enxergo, destes olhos que esta terra maldormida há de devorar, se vêem as encostas de morros que verdejam, com miríades de cocos e a branca areia que repousa ao fundo da baía que se estende bem para além. Um sol que nos queima as peles tostadas de sal seco, as sobrancelhas doídas e um calor que resseca as mucosas de nossas bocas. É o que se pode ver e muitos de nós mergulham no azul do mar profundo, nadando em grupos, felizes de tal descoberta, tal nosso entusiasmo, tal a faceirice dos que ficaram para ver a boa nova.
Pousa na vela principal uma espécie de ave rara, como a nos saudar com sua cor verde com o bico amarelo: Olha-nos de lado, soltando estranhos ruídos, como que acostumada numa atitude de pedinte. Fácil oferecer-lhe a ração que nos sobrou, o pequeno pássaro aceita de pronto e parte veloz rumo à terra, a uma árvore de copa espessa onde um ruído mais parecido a um alarido se ouve: Milhares de pássaros iguais nos esperam e ninguém deixa de admirar exceto o velho ferreiro, premiado com a primeira cagada do além-mar.
--Pássaro estúpido! Passo-lhe o fogo, isso sim!
Risadas gerais relaxam o povo dos barcos, tilintar de ferros denunciam a preparação para fundear os navios ao longo da costa, apitos se ouvem para que se montem os escaleres. A brisa forte encrespa o mar azul, as cabeças dos marujos mergulhados assoma à superfície, muitos bóiam de barriga para cima e os capitães chamam de volta os devidos marujos aos devidos postos, que ninguém é de ferro! Os que voltam comentam das delícias do mar tépido, outros dizem ter visto peixes e um mais exagerado diz ter visto as belas curvas de uma sereia, mas este tem escorbuto e sem os dentes, sorri feito desvairado, pensa-se que perdeu o juízo, apesar de trabalhar bem o coitado. Mas assim se fazem estes momentos, em que toda a viagem se premia com um final assim, qual sonho e todos pensam qual será o futuro destas montanhas, como começaremos a explorar este mundo verde e quais os perigos que enfrentaremos ao nos embrenharmos por estas espessas matas de grandes árvores. Como será a população que a habita? Conhecerão eles o Todo-Poderoso, que agora convocamos para numa prece coletiva, nos abençoar a todos pela viagem enfim terminada? Quantos de nós perderam a vida e quantos mais repousarão nestas terras verdejantes?
De toda maneira, num dos navios se preparam as vestes, os santos óleos foram trazidos, o padre descerá para uma prece em terra. Eu, de minha parte, penso na família que ainda tenho distante e que nunca mais verei, penso nos olhos de minha amada que terei de esquecer para que possamos desbravar esta que agora parece ser nossa terra, pois dela tomaremos posse, em nome do rei.
Um orgulho me sobe ao peito e meus olhos marejam ao alçar os olhos ao céu: Parece que hoje, uma santa terra foi descoberta.