Podia ouvir seus passos na sala. A música, num volume que só se podia escutar quando com alguma atenção, reverberava mesmo assim pela casa, pelos cantos, dentro de nossos ouvidos atentos. Ela bailava, sozinha, na sala. Eu, longe, escutava e sorria. O sol estava alto, fazia certo calor, a brisa bagunçava as folhas, enquanto ela dançava sozinha na sala. Ascendi um cigarro de palha, sentei na varanda, e encostei-me ao pilar que sustenta meus sonhos. Ela passou, não me viu, foi até a cozinha e começou a fazer algo por ali. Tentarei descrever o que vi. Estava parada, quase de costas para mim, cabelo amarrado alto, mechas caíam ao lado de seu rosto, mostrando sua nuca que desde onde estava percebia-se totalmente o frescor de sua pele, ela cantava, sorria, sozinha na cozinha, e eu ali sentado, chupando meu cigarro e soltando uma fumaça azul pro ar. Estava de minissaia verde, uma blusinha pequena deixando assim parte de seu quadril a mostra. O desenho de seu corpo era algo sublime, feito com fórmas alucinadas, ordenadas, via seu lábio brilhar quando virava de lado e o sol explodia em sua face de uma beleza transgressora. Eu sorria, apenas sorria e fumava, e me afundava complacentemente em meu desejo. Às vezes ela ameaçava dançar de novo, escutando talvez toda música que naquele momento habitava meu coração. Percebi o amor e no ar flutuava algo inexplicável. Talvez isso tudo que via, percebia e sentia fosse a tão falada felicidade. O vento entrava pela porta e bailava envolta de seu corpo pequeno porém tão autêntico e imponente. Ela girava o pescoço, face de frente á brisa, de olhos fechados sorria, o cabelo ia e vinha, e quase morri quando passou o antebraço na testa porque estava com as mãos ocupadas para ajeitar alguns fios que não acompanharam a brisa. Ela dançava mesmo parada, tinha algo a mais que as outras, tinha algo indizível, indescritível, algo que a natureza só deu para ela, algo que se desprendia de seu corpo sem ela sequer perceber, algo que entrava por todos meus poros e me desconcertava, me fascinava, e me fazia achar que a tal felicidade poderia ser eterna.
Levantei-me, a abracei por trás, percebi seu largo sorriso silencioso, de olhos fechados inclinou a cabeça para trás:
_Onde você estava? - perguntou.
_Estava sentado na varando apoiado no pilar que sustenta meus sonhos. - respondi.
_Tava pensando em você!
_Se eu te contar você nem acreditaria.
_Porque não tenta?
_Sou incompetente demais para descrever o sublime.
Virou-se para mim e junto com a brisa veio seu aroma, uma mistura de flores, todas, pêssego e algo que nunca tinha sentido na vida e me beijou com paixão, com uma voraz vontade. Saímos, sentamos na varanda e ficamos por muitos minutos apenas nos olhando e em silêncio. Em certos momentos as palavras se tornam totalmente descartáveis por simplesmente não conseguir expressar absolutamente nada do que se esta vivendo naquele instante.