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Cronicas-->SOBRE ESCREVER -- 26/04/2008 - 15:04 (thiago schneider herrera) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pensei em parar de escrever, mas simples e profundamente triste digo; não consigo. Admito, é um dos meus vários vícios. De fato, isso já não me encanta mais. Tenho inveja dos que começaram agora, que ainda se iludem com isso, sentem o afável e mentiroso frescor das palavras não escritas, ainda sonham em mudar o mundo através delas ou gritar aquilo que vêem. Ainda não foram sacudidos pelo inevitável arrependimento de ter começado com isso tudo. Ainda acham bonito, elegante, louvável. Não sabem que ainda meterão a mão na merda para arrancar palavras sujas. Querem falar de flores e de amor, sendo que tudo desaba. Acreditem, o escrever dignamente, bem ou não, nos obriga a coisas horríveis. Logo encontrarão o muro, o precipício, a merda. E das belezas não escritas sobrarão somente a vontade sufocante em escrevê-las ou descrevê-las, mas quase nunca uma real capacidade de tal façanha. Frustra. Agora me encontro aqui, achando extremamente feia a palavra frustra. Mais uma feiúra que a pseudo literatura me obrigou a engolir sem nem sequer um segundo para mastigar.
Escrever é como todos os vícios. No começo é legal, te faz bem, te traz alegria, te faz sentir poderoso, sem barreiras; mas logo a coisa desanda, vira o tempo, escurece, e você acaba só escrevendo para sufocar a dor, a desilusão, o vazio, o desespero. É uma morte a conta gotas, e você, impassível vê tudo refletido no espelho. Aí começamos a criar manias. A minha é acender um cigarro com a folha assustadoramente branca na mina frente antes de escrever uma só palavra esperando, forçosamente a relutante inspiração brotar do nada. Quantos cigarros sem vontade não fumei somente por esse ritual tosco? E se acabar o cigarro e não vier a primeira frase, desisto. Saio em debandada, supostamente feliz, por aí. Escrever corrói, intoxica muito mais que desintoxica. E no final sobra somente frustração por um textinho de merda. E fora que você vira um obcecado em reparar coisas. Me pego observando durante largos e infindáveis minutos um casal, um velho solitário num banco de praça, uma desmiolada cambaleante na rua, uma briga de bar. Acabo torcendo diariamente para que aconteça algo para arrancar do dia a dia, com faca sem corte, enredos para textinhos de merda. Quantos não se mataram em becos, bares fétidos, relacionamentos alucinados, para disso, sem piedade preencher páginas em branco? Pelo que sei, os escritores que eu gosto de ler passaram por isso. Mas e se ninguém ler? Quantas preciosidades literárias estão esquecidas em gavetas mortuárias nos quartos de hoteis baratos? Aí você quase se mata para tirar disso algo, para ver, depois de um tempo que não valeu a pena.
Deveria preferir passear no parque, juntar amigos num jantar sem sal pra rir da vida alheia, fazer compras, cabeleleiro, passeatas socialistas. Mas não; sempre acendo insistentemente meu cigarro com a página em branco. Não me peça sensatez, não a tenho, porque sei do risco, e absurdamente insisto. T.S.H.
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