Sabe quando você sente uma onda de ressalvas, um desapego do mundo, como se estivesse dele se desligando?
Aquela sensação de ter deixado o mundo lhe ultrapassar, nada mais fazendo que o sumamente necessário para apenas sobreviver sem deixar traços de sua passagem?
Sabe quando no trànsito, vem a sensação horrorosa de inutilidade absurda, da perda de um tempo que jamais se repetirá, parado em meio ao caos de metal e carne fumegante?
Já sentiu isso? Já percebeu sua pele esmagada pela atmosfera densa e opressa que nos une como um amálgama, uma mortalha falsamente transparente,um visgo gelatinoso que abarca a minha janela e a sua visão de mundo?
Sabe quando, de noite, bem de madrugada, você acorda em meio a um pesadelo que leva seu nome, um sonho que encampa seus mais caros desejos e banhado em suor, você sente que um fim talvez lhe baste?
Já sentiu que sua sobrevivência não depende apenas do que você é mas, principalmente, do que aparenta ser e do que almeja ser sem nunca, jamais, ter chegado sequer perto ou próximo de ter sido?
Já sentiu isso? Sentiu as garras do diabólico poder que nos devora secretamente, imbuído em nossos genes, em nossa própria civilização que se apodera das almas e lhes imprime um filmezinho de "ser, estar, permanecer" ilusório e sem opções?
Que tal? Desconfortável? Sente o aperto a lhe subjugar o peito arfando agora, tantas as indagações que lhe cobram a presença de uma alma que, de tamanha quimera, talvez nunca exista? Hein?
Reluta em ler tal infàmia? Mas é você mesmo que iniciou esta peleja! Você mesmo que começou a ler o que jamais quereria e se chegou aqui, é porque de dentro, concorda!