Choveu a noite inteira. Não foi daqueles temporais que deixam a preocupação de que muitas famílias estejam tendo problemas, perdendo casas, móveis, roupas, vidas. Também não foi aquela garoa fina que a gente só percebe se estiver fora de casa ou se olhar pela janela.
Foi aquela chuva gostosa, que faz barulho, que toca a música dos romànticos, dos apaixonados, ou mesmo daqueles que, sozinhos, acordam durante a noite ouvindo um som dos deuses, demonstrando a riqueza natural que possuímos, que, mesmo sem análise científica, nos faz acreditar que a natureza é perfeita, dando-nos, nesse momento, a única vontade de virar de lado, na cama, e continuar dormindo ouvindo aquele som divino. Parece que até os sonhos ganham mais vida quando a gente adormece sob esse som!
A melodia tocada, incessantemente, durante toda esta noite, parecia embriagar. Eu não estava deitada, mas aqui no meu canto, eu a ouvia como se fossem harpas tocadas pelos anjos. Um ritmo cadenciado, água escorrendo pelos vidros da janela, o som ecoando no chão, demonstrando que sua intensidade não era tão pequena, mas também, não tinha qualquer exagero. Ao fundo, uma espécie de goteira, pingos caindo repetida e cadenciadamente sobre algum material de lata ou semelhante, fazendo-me lembrar o toque de uma bateria.
Eu espreitava, de vez em quando, através da cortina. Toda senhora de si, majestosa e triunfante, dominava a noite, escondia as estrelas, fazia brilhar as folhas das plantas que dançavam moderadamente, o balé por ela proposto. Os cães, que frequentemente ladram ou apenas uivam em algum lugar distante, silenciaram. Talvez dormissem ou também apenas apreciavam a dona da noite.
Amanheceu e os pássaros não quebraram o som que se fizera presente por toda a madrugada. Curvaram-se ante a beleza que emoldurara a noite. Um ou outro, arriscou um leve aviso de que já era dia, mas calou-se rapidamente.
Quem dormiu a noite toda, talvez ao acordar, olhando o dia lá fora, pensou: - que dia feio, hoje! Porém, se como eu, tivesse ficado apreciando o requinte da noite, sentindo a paz que eu senti enquanto observava, timidamente, o poder, a magia e o encantamento daquela que brilhou por tantas e tantas horas, certamente sentir-se-ia feliz ao acordar e observar ainda a sua presença, purificando o ar, molhando a terra, lavando as plantas, serenando as almas...