Eu não me lembro de já ter ido a algum lugar semelhante. Não nesta vida real. Porém, cada vez que o vejo é como se ali eu tivesse vivido a maior parte da minha vida. Reconheço cada cómodo do casarão.
A sala imensa, decorada com móveis e objetos muito antigos, notadamente de muitos séculos, excessivamente espaçosa, com paredes claras e móveis escuros, com tapetes e quadros que, apesar da harmonia que apresentam dando um ar de modernidade, requinte e bom gosto, levam-me aos tempos da História antiga.
Neste salão, nunca entrei pela grande porta da frente e, na verdade, nunca perambulei pelo recinto, mas sempre vou até lá, após atravessar alguns corredores e cómodos e paro na entrada dos fundos, observando curiosa e sentindo saudade daquele ambiente que, normalmente, parece receber a luz e a claridade do sol constantemente. Uma única vez eu me vi na porta principal de entrada, e nem sei como fui parar ali, pois não me lembro de ter atravessado aquele ambiente, nem tampouco o jardim que lhe dá acesso.
Na frente da sala, saindo da casa, um jardim imenso. Neste, eu já fui inúmeras vezes. Um gramado verde que parece não ter fim, flores de todas as espécies e cores, árvores que lhe dão uma beleza ímpar, algumas de copas grandes, outras um pouco menores, bem distantes umas das outras, tornando a paisagem delicada. As flores amarelas e as vermelhas são as que mais marcam o meu olhar curioso e a paz que sinto quando entro nesse jardim.
Há poucos, mas alguns bancos espalhados nas proximidades do casarão.
Estar nesse jardim me dá uma paz incompreensível. Devem ter acontecido coisas maravilhosas ali. Sinto que o meu coração espera por alguém. Alguém que está distante, que não vejo há muito tempo, algumas vidas, talvez, mas que faz da espera um momento de enlevo, de ternura total, enchendo meu coração de alegria por poder esperar. Sinto que é um encontro muito desejado, um reencontro sim, e que me fará muito feliz.
Ao lado esquerdo do jardim, junto à sala, um enorme portão. Daqueles muito antigos, de madeira, cheio de correntes pesadas e escuras, envelhecidas e que o fecham. Muitas vezes, eu tentei fugir de dentro da casa, através daquele portão, mas as correntes e o seu peso jamais me permitiram movê-lo sequer.
Dentro da casa existem muitos cómodos. Quartos grandes e pequenos. Alguns que não têm nada além de uma cama. É sempre furtivamente, no calar da madrugada, que eu os percorro, como se estivesse procurando alguém ou alguma coisa. A maioria deles está sempre sem ninguém, mas, vez ou outra, vejo que alguém dorme por ali.
Um dos quartos, se é que posso chamar aquele cubículo de quarto, situado nos fundos do corpo da casa, é extremamente pequeno, possui somente uma cama que lhe toma todo o espaço. É nesse cómodo que à s vezes eu vejo as minhas filhas. Parece que estamos sempre escondidas não sei bem se protegidas ou aprisionadas por alguém.
Já tentei escapar pela saída dos fundos, mas nunca obtive sucesso. Homens estranhos e com armas que eu desconheço fazem a guarda dessa saída. Vejo-me sendo empurrada, ouço palavras ditas de forma grosseira, mas que não entendo, embora compreenda que é a ordem para que eu volte ao meu cubículo.
Quando tento fugir, sempre olho por cima do muro e vejo muitos homens posicionados em lugares distantes, observando o movimento do casarão, segurando armas que eu não consigo identificar.
Essas pessoas se colocam após o término do jardim imenso que antecede a casa e fica a certeza de que o jardim circunda, numa extensão enorme, todo o casarão.
Todas as vezes que estou no jardim, não consigo me ver dentro da casa. E todas as vezes que estou tentando sair da casa eu não consigo sair.
Mas uma coisa é certa: o medo, o pavor, a angústia e a agonia que eu sinto quando estou dentro da casa, nada têm a ver com a paz e a tranquilidade imensa que me dominam quando me encontro no jardim. São sentimentos antagónicos. Ali, eu sinto a felicidade invadindo a minha alma, envolvendo o meu corpo, iluminando a minha mente, massageando o meu coração.
Eu nunca estive nesse lugar, nesta vida! Em sonhos eu sempre estou, desde a minha infància. Eu o conheço como se tivesse passado parte da minha vida ali.
Quando acordo, sinto a sensação de que a minha alma esteve fora do corpo por longo tempo e no resto do dia eu sinto uma saudade imensa da pessoa que espero quando estou naquele jardim. Uma saudade gostosa, que vem de dentro da minha alma e que me invade por inteiro.
Não sei de quem eu sinto tanta saudade, nem quem é o homem que em sonhos eu sempre espero reencontrar. Ou será que eu sei? Quem sabe se ele não tem sonhos semelhantes ao meu e também me espera, no mesmo jardim, com a mesma ansiedade, com a mesma saudade e sentindo a mesma paz?
Tudo que sei é que esses fantasmas me acompanham desde que me entendo por gente. Talvez a minha alma gêmea...