A menina chegou quase em desalinho na casa da grande mãe. `Vou desistir´, murmurou. E entre lágrimas entrecortadas de desengano e cansaço, notou que saía luz e fogo daqueles lindos e enormes olhos azuis.
`Mais um pouquinho, aguenta mais um bocadinho, você consegue, não deixa que façam isso com você, criança...´
A opção de desistir é algo que chega a nos impulsionar para frente em momentos de desespero. Quando você entra na consciência real de que pode desistir de tudo e viver uma vida totalmente diferente do previsível por todos, uma luz parece brilhar no fim do túnel e as coisas começam a ficar mais claras.
Somos o que permitimos que seja. Amamos por opção e chegamos a odiar por permissão. E quando um grande peso cai em nossos ombros e chegamos a conclusão absurda de que fomos um erro a vida toda, é instalado o caos. E desse caos, vem a grande ordem. Certa vez, entrevistando o filósofo francês Edgar Morin, sobre a Teoria do Caos, entendi que as metralhas que deixamos para trás são nossas maiores ordens no presente. Ou seja, sem a fragmentação parcial dentro de nós, jamais poderemos erguer um alicerce digno de aguentar o sopro do lobo mau.
E como não somos porquinhos medrosos fechados dentro de casa, o vento que passa vai-se rapidamente.
E a menina optou por levantar-se e ir embora. Correu caminhos, foi ver o mar e decidiu: `mais um pouquinho...´
No caminho de volta, encontrou casualmente um grande cavalo vermelho montado pelo seu grande amor do passado. Lá onde tudo começou. O primeiro beijo, as primeiras sensações de prazer, as primeiras dores. Dessa paixão infantil nasceu seu primeiro poema. Levou também as primeiras surras da mãe. E na volta ao passado o coração bateu mais forte. Sim, ela pensou, ainda existo. O tempo dentro de meus sentimentos não passou. Ainda posso estar no primeiro beijo. Lembrou que o que era antes medroso, hoje está mais maduro, nos lábios de alguém que passa calma, tranquilidade, que gosta de velhos rádios e faz amor com arte e maestria.
Voltou ao momento presente, saudou-o com entusiasmo, chamou-o de lindo e foi dormir feliz pela vida ter sempre seus sinais. Na hora que pensamos em ceder diante de tudo, aparece o símbolo do começo que ficou para trás, provando que pode haver sempre, a cada novo dia, um mágico recomeço.