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Cronicas-->REENCARNADO ANTES DE MORRER -- 07/07/2008 - 20:21 (GERALDO EUSTÁQUIO RIBEIRO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
REENCARNADO ANTES DE MORRER

Fico analisando o que vivi aos longos dos meus cinquenta e oito anos e cheguei à conclusão que passei por duas vidas diferentes.
Encarnei-me sem ao menos me dar ao trabalho de morrer.
Aos sete anos fui para a escola, ela ficava cerca de vinte e cinco minutos à pé e o trajeto era feito descalço e carregando uma capanga de saco, com um caderno e o lápis e a borracha.
Quando tinha.
A hora do recreio era a mais esperada, depois de um prato de sopa com alimentos sem agrotóxico, uma pelada no campo de terra fazia a gente voltar para a sala pingando suor.
A professora conhecia cada menino pelo nome e pegava na mão dos que tinham mais dificuldades para começar a desenhar as primeiras letras.
Quando voltava para casa uma mãe carinhosa esperava com um suculento arroz com feijão e alguma verdura colhida no quintal.
Carne era só aos domingos.
Quase todos os dias tinha que ir ao mato buscar lenha porque o gás ainda era coisa do futuro.
E buscar lenha era uma festa.
As matas ainda guardavam segredos como a gabiroba, cagueitera, araçá, e muitas outras guloseimas que são frutos e frutas do passado.
A fruta mais gostosa era a do quintal do vizinho aonde a gente ia matar gambá e raramente alguém se importava.
O povo dividia tudo que possuía.
Nada de radio.
Televisão era sonho de consumo dos ricos.
Luz elétrica também era sonho de consumo dos ricos.
Estudar à luz da lamparina.
Ir na "casinha" fora da casa para fazer as necessidades fisiológicas ou simplesmente dar uma bela de uma mijada no pé de uma árvore qualquer do quintal.
Todos os quintais as tinham.
Brincar na enxurrada depois de uma chuva torrencial, que tinha mês para chegar.
Procurar o "Nego Fugido", jogar Bentialtas e fazer pelada com bola de meia.
Ir à missa e ficar calado sem nada entender.
Até os vinte anos não sabia o que era médico, transporte coletivo, fila para alguma coisa e para nada.
Esta foi a minha primeira e feliz encarnação.
Na reencarnação mesmo sem morrer, apesar de ser minha vida, vou relatar o que observo na vida de outras pessoas porque não consigo me inserir no meio de tanta tecnologia.
Não gosto e não quero e não sou fissurado em tecnologia.
O meu celular tem apenas que fazer e receber ligações.
O meu relógio tem apenas que marcar as horas.
O computador só serve sem o tal de MSN e o tal de ORKUT.
Os tempos modernos me intrigam.
Ter que ouvir músicas horríveis, toques idiotas e conversas que enchem o saco, quando o passageiro ao lado cisma de mostrar para todo mundo que é muito popular e que muita gente liga para ele.
Outro dia no ónibus, um jovem bem aparentado de aproximadamente uns vinte anos se sentou ao meu lado e tive pena dele.
De repente enfiou a mão no bolso e sacou o celular que aproximou do próprio nariz e como um retardado jogou paciência durante todo o trajeto de uma hora.
Não esboçava nenhum movimento não deu nenhuma piscadela.
E eu ali tentando entender o que se passa na cabeça destes meninos.
Fico observando os meus filhos, grudados no computador jogando um tal de Tíbia, conversando com um tal de ORKUT e MSN, e se não for quase na base da porrada, eles varam a noite sem dormir.
E eu deitado, tentando entender o que se passa na cabeça destes meninos.
Eles não conhecem as frutas da minha infància.
Eles não conhecem um rio com água cristalina.
Eles não bebem água direto da fonte.
Para eles o leite vem é da caixinha.
Crianças de oito anos carregando celular.
Presente dos próprios pais!
Onde foram parar as bonecas?
E os carrinhos de rolimã?
Pensando bem eu não vivi duas vidas.
A segunda eu apenas assisto.
A geração de hoje não terá muita coisa para contar.
Ou irão contar muita coisa que não valeria a pena ter vivido.
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