A menina chega, com um largo sorriso no rosto. Quando olho, lá está a garota na escada. Com seus quinze ou dezesseis anos de idade. Esbanjando felicidade. Na loja todos olham de onde vem a voz animada e empolgante, saudando a todos com um belo "boa tarde". Cabelos loiros, arrumados, olhos claros, com uma roupa bem moderna e apropriada à sua juventude. Um brilho no rosto reluz e ilumina todo o ambiente.
A vendedora se aproxima, aparentemente já sabia do interesse da menina, pois a conduziu ao departamento de roupas de festas, no cómodo de cima. Continuei fazendo minhas compras, experimentando uma blusa e outra, num espaço disputadíssimo nessa loja bem peculiar da cidade. Famosa pelo estilo próprio em vender numa espécie de casa, roupas bem abaixo do preço de shopping, mas bem atualizadas e condizentes com a moda. Uma loja só de mulheres, onde homens não entram de forma alguma. Sem provadores, num único cómodo, todas nós, livres de pudores, nos despimos diante de uma razoável platéia feminina, e alguns espelhos disputadíssimos na parede.
É preciso ser muito desencanada, pra se despir diante de outras mulheres. Às vezes é possível observar seus olhares de admiração, crítica ou inveja, em direção aos corpos despidos e indefesos de suas vítimas. As mulheres de um modo geral são muitos exigentes e críticas com outras mulheres.
Nesse desenrolar de tempo, ouço uma das vendedoras gritar para a outra que estava no cómodo de cima, atendendo a menina:
- Tenta aquele GGG.
- Ela já provou e não serviu. Respondeu a vendedora lá de cima.
Uma das vendedoras fez uma ligação para uma fábrica de roupas, que devia fornecer seus produtos para a loja, perguntando sobre a numeração máxima da confecção. E a resposta foi que só se fabricava roupa de festa até a numeração cinquenta e dois.
Até aí, todas as freguesas já estavam interadas de alguma forma do problema em questão. Visto que a comunicação entre a vendedora de cima e a vendedora de baixo foi mantida por um bom tempo.
- Ela experimentou aquela calça?
- Não serviu.
- Como não serviu? É a maior peça que temos.
- Que número ela usa afinal?
- CINQUENTA E SEIS!!!!!
Pude sentir o peso do silêncio que se fez naquele momento.
Depois de uma pequena pausa, um murmúrio de vozes se fez presente no local. Não pude ouvir, mas com certeza todas as mulheres que estavam ali, tentavam imaginar como alguém poderia vestir um número desses. E a perplexidade foi geral. E os comentários, tão dispensáveis, ainda continuaram por algum tempo.
Para as vendedoras, a menina não passava de uma aberração da natureza. Enquanto observava tudo, pensei naquela garota lá em cima, no seu sorriso quando entrou na loja, na expectativa de poder comprar sua roupa de festa, como toda menina dessa idade faz. Ela provavelmente não encontrou sua tão sonhada roupa. Nem sei se vai querer ir a alguma festa depois disso.
Fiquei triste e indignada, mas não surpresa por ter vivido esse momento tão infeliz. Queria ter dito alguma coisa, ajudado de alguma forma. Mas fiquei calada diante do massacre. Acho que porque de alguma forma já senti esse preconceito antes. Também sempre tive problemas com a balança. Sei bem o peso e a dor que se tem. Aprendi com a maturidade a não ser escrava de tabelas de peso. E não me intimidar diante de uma bancada de avaliadoras cruéis, que não pensaram em nenhum momento de como estava se sentindo aquela garota depois disso.
As pessoas à s vezes me assustam. São cruéis, maldosas, gratuitamente. São preconceituosas e venenosas com o seu semelhante.
O que eu vi naquela tarde de compras, foi só uma garota, sonhando com uma linda roupa de festa assim como tantas da sua idade. Foi uma menina feliz, educada, que entrou com um brilho no rosto, mas que saiu sem ser vista por ninguém.