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Cronicas-->Uma executiva no céu (*) -- 05/09/2008 - 14:01 (Benedito Pereira da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma executiva no céu (*)


Foi tudo muito rápido.


A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou,cambaleou.


Deu um gemido e...apagou.


Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso portal.


Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.


Todas vestindo càndidos camisolões e caminhando despreocupadas.


Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes :


- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A , e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?


- No céu.
- No céu?...
- É. Tipo assim, o céu? Aquele com querubins voando e coisas do gênero???
- Certamente. Aqui vivemos todos em estado de gozo permanente.


Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo ninguém usando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva. Tentou então o plano B: - convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.


Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bónus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de aministração da empresa. E foi aí que o interlocutor sugeriu:


- Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.
- É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece
- Assim? (...)
- Pois não?


A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.


Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu rapidinho:


- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e...
- Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?


- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo


`executiva`?


- Já ouví falar. Mas não é do meu tempo.
- Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight.


- A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.


- Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando a toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica.


- É mesmo?


- Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo,não vejo ninguém usando crachá.


- Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?


- Ah, não sabemos.


- Headcount, então, não deve constar em nenhum versículo, correto?

- Hã?

- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação.
Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.


- Que interessante...

- Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e o pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente acalma a galera bolando um sistema de stock option, com uma campanha motivacional
impactante, tipo: ` O melhor céu da América Latina`

- Fantástico!


- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização de um organograma funcional, nada que dinàmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.


- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Acionista... Ele existe, certo?


- Sobre todas as coisas.


- Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico por exemplo, me parece extremamente atrativo.


- Incrível!
- É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um Board de altíssimo nível.


Com um pacote de remuneração atraente, é claro, coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo, Pedro.


O desafio que temos pela frente vai resultar em um turnaround radical.
- Impressionante!


- Isso significa que podemos partir para a implementação?


- Não. Significa que você terá um futuro brilhante se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...


Autor: Max Gehringer (Revista Exame)


__________
(*) Brasília, DF, 05/09/2008. encaminhado, nesta data, por intelectual, amigo das letras e meu ex-chefe.




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