Seu olhar penetrante e o perfume forte que usava, aliado a uma conversa que fazia as incautas se prenderem pelas suas palavras o tornava irresistível. O pequeno bigode, o cabelo sempre meio desajeitado e um ar de desamparo o faziam o bebê predileto das moças, das menininhas em pleno desabrochar, das jovens casadinhas meio decepcionadas com seus maridos molengas e das viuvinhas e donas de casa que sempre o olhavam com ar de quero mais. Era essa a sua fama.
Quando ele despontava nas esquinas e se uma destas mães prestimosas estivesse a olhar a filha que ainda pulava amarelinha, vinha a chamada:
--Já para dentro! Filha minha não fica na rua onde anda cafajeste.
Cafajeste. Era sua fama. Fama ruim esta, grudava em sua pele e não saia dela de jeito nenhum. Tanto faz, ele pensava, porque o que tinha que fazer ele fazia bem feito. Não tinha uma que houvesse reclamado. Claro, já mudara de bairro algumas vezes porque sempre tinha um valentão, um ex-marido, um ainda corno ou um pai preocupado que o tocaiava e mais de uma vez saíra no braço com um desses desafetos, mas nada que o pudesse levar à cadeia ou, pior que isto, ao hospital.
--Cafajeste!
Assim o chamava a garota que saíra com ele há duas semanas, já devidamente substituída por outra, novinha em folha, que com ele era assim: Alta rotatividade, tinha que movimentar sua vida, nada de gente grudenta ou pegajosa. Quando a menina ameaçava com noivado, anelzinho, apresentação à sogra, e etc, vinha a clássica desculpa:
--Minha filha! Assim não dá. A gente já foi parar na cama, mas tão rápido quer que eu amarre meu burro à sombra? Francamente!
Pronto, mais um coração em frangalhos. Os soluços dela não o demoviam, ele como um trator passava a porta da casa da pequena, a mãe ainda com o pedaço de bolo no prato, pronta para servir o futuro genro quando se ouvia o bater do portão da entrada.
--Cafajeste! Eu disse que ele era um desses miseráveis! Você nunca me ouve!
--Mas mamãe, ele até me deu anel!
Em geral, quem dava o anel eram elas, seduzidas pelo potencial do moço, avassalador até a medula, perfumado até na cueca, malemolente até na alma.
Porfírio era seu nome. Esse nome provocava muita raiva em alguns, desprezo em muitas, indiferença em vários, mas uma coisa era certa. Como ele, naquela cidade, não tinha igual, não tinha como dizer que houvesse dois Porfírios porque havia um só, abancado em sua fama de conquistador, ladrão de corações e dançarino como poucos saberiam ser.
Até que um dia ele cruzou com a garota dos seus sonhos. A belezinha devia ter seus vinte e cinco, vinte e seis... Loura, linda e dona de um corpo escultural, estatura pequena, mas que sabia se impor aos que a olhavam, quando parava e admirava uma vitrine não havia quem não notasse seus cabelos iluminados, sempre espalhados ou numa trança que alcançava sua cintura. Ela cruzou com Porfírio, o tal dono do perfume irresistível! Qual o quê, o bigodinho se mexeu sozinho quando ele sorveu o ar à passagem da belezura. O perfume dela era indescritível, talvez almíscar, talvez alguma erva desconhecida a ele, o fato é que ele percebeu a presença dela antes da visão de seu corpo maravilhoso.
--Nossa! Essa é a nora que mamãe pediu a Deus!
Nossa amiga, que nunca foi boba, nem se dignou a olhar o autor da patifaria. Pensou consigo mesma:
--Coitado. Alguém precisa cuidar desse moço.
E foi só. Porfírio estava desconsolado! Como podia ser? Ele que sempre conquistava e deixava quem fosse a pé... A garota nem o notou, pior que isto, evidentemente nem se importou com sua presença. Isto mexeu com os brios dele, afinal, ele era ou não era um galã? Quem é que deixava as moças todas de queixo caído e boca trêmula? Ora, ele!
--Ainda pego esta loirinha. Ela que se cuide!
Olhou o perfil da moça se desvanecer na esquina em que despontara para a vida, logo de tarde, que era a sua hora de acordar das esbórnias das noitadas. Ele vivia de pequenos empregos, onde ficava por pouco tempo, até se fartar do patrão ou eventualmente bater de frente com o dono do negócio, sempre com a desculpa do horário rígido, da malcriação do patrão ou dos gênios incompatíveis dos colegas de trabalho. Colecionara uma boa dúzia de pessoas que o queriam ver pelas costas. Vez em quando arrumava uma viúva rica que o bancava por meses ou uma iludida que lhe passava alguma grana, já que ele, senhor de técnicas profanas, as levava literalmente à loucura. Assim ia nosso Porfírio, como se fora durar para sempre este seu canto, como seu encanto fosse eterno e sua malandragem infinita.
Mas algo se deu nele, logo que cruzou a moça de cabelos dourados. Ele se percebeu meio profano perto da deusa que com seus cabelos lembrava Vênus de Milo saindo da concha. Sim, ele era dado a ir a museus, ver quadros e gravuras e mais de uma vez se encantara por algumas damas que frequentavam este meio artístico. Tivera até uma pintora entre suas namoradas, que ele deixara a ver navios quando ela lhe propusera uma coisa mais séria.
--Minha filha! Quer o quê, que eu me enjaule assim? Nem tem família para apresentar! Cadê seus pais? Moça séria, que quer casa, tem de ter casa! Você mora num pensionato de moças católicas! E nem tira os pelos das axilas! Francamente!
A coitada se viu falando sozinha, para variar e ele surripiou uma bela gravura de autoria dela que lhe valera um bom dinheiro, vendida que fora como um "quadro desses pintores menores que se tornarão famosos" na Praça da República.
Estava ele imerso assim no quadro da pintorinha quando assomou o vulto da belezura e ele, que já estava meio diferente, de repente notou o coração pulsar mais rápido, bater mais profundamente assim que pode divisar o sorriso dela, que o reconheceu.
--Ora, ora, se não é o moço que tem o perfume forte!
E passou por ele sorrindo e mexendo o corpo de forma enlouquecedora, sem tirar os olhos dos olhos dele.
--Mas, espere! Nem sei o seu nome!...
Ela, ligeira, rapidamente sumiu na bruma da multidão e ele, pela primeira vez, ficou ali parado, a olhar a formosura dela que se fora, como um vulto luminoso e cheio de amor para dar.
--Mas que mulher sacana! Joga o perfume no ar, sai de banda e ainda some! Quem será a tal?
No bar, aonde costumava arrotar suas façanhas pelas ruas da cidade, todos notaram que ele estava taciturno, calado naquele dia, mais do que no dia anterior. Ele bebericava um copo de uísque, sua bebida predileta, os olhos perdidos nas paredes cheias de quadros e fotografias de clientes. O garçom que o servia, acostumado com suas arruaças, logo o chamou à Terra.
--Seu Porfírio!
--Diga.
--Que bicho lhe mordeu? Quer mais alguma dose? Quer aquela batatinha que você adora?
--Vou lhe contar meu caro...
Logo correu a notícia, pelo bar, que o malandro se apaixonara. Que ele ia se regenerar. Que ele ia cortar o bigode! Que ele ia trabalhar duro e voltar a estudar, homem que é homem não pode ficar assim, dependendo de pequenos golpes ou da boa vontade das mulheres para sempre, homem que é homem cria raízes...
--...Raízes! Pois sim. O senhor vai é cair na gandaia logo logo, assim que puser um chapéu para trabalhar. Eu lhe conheço!
--É sério, Juvenal. Que mulher olha um indivíduo que tem minha fama?
--Cafajeste...?
--Pois é. As janelas se fecham ao malandro, cada vez mais. As poucas que tenho por perto são todas meio vagabundas. Bom, nem todas. Agora, uma mulher séria, destas que quer construir família, você acha que olha para mim?
--Eu acho que se o senhor casar vai é ganhar logo um par de chifres. Ou o senhor acha que elas não traem?
--São todas vagabundas.
--Bom, nem todas. Minha mulher é uma santa.
--Há controvérsias.
O garçom, agora carrancudo, despeja mais uma dose para Porfírio, que recusa o copo cheio.
--Hoje não vai ficar até mais tarde?
Corre o boato pelo bar. Porfírio, o conquistador barato, o cafajeste da cidade, o preferido das viúvas e das mocinhas recém-casadas, Porfírio, o pior entre os piores, o gostosão, o homem das grandes façanhas vai dormir só, sem as safadas de sempre.
A primeira coisa que ele faz quando chega em casa e se olha ao espelho é tirar o bigode ridículo.
--O que não faz o amor na vida de um homem, hein, cafajeste?
Dia nascendo, o sol encontra Porfírio trabalhando na praça. Varrendo a rua, metódico, economiza energia. Ninguém reconhece nele o vagabundo andarilho de sempre, tanto que mudou de bairro. O que ganha agora ele guarda um pouco. Quando vê o vulto da moça loira assomando lá, ao longe, onde costumava aparecer para a cidade cheia de perigos, mulheres vagabundas e assanhadas, quando vê o brilho dos cabelos majestosos dela aparecendo, ele se volta, como que a admirar o nascer de um sol, ou como a ver um quadro clássico, "Vênus de Milo", enquanto que ela o olha vagamente e reconhece algo dele nele mesmo que ele já não reconhece mais, recolhido que está em sua paixão escondida. Ela nunca saberá que ele a adora, ela nunca terá sequer a noção de que ele, Porfírio, deixou de existir.
--O que não faz o amor na vida de um homem, hein, Porfírio?