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Cronicas-->Obrigado Meu Pai! -- 23/12/2008 - 18:33 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Meu pai tinha uma habilidade incrível: Escrevia como poucos que conheço, tinha predileção por textos curtos, tanto que era redator de publicidade como poucos que conheço. Para falar a verdade nunca conheci nenhum, essa é a verdade. Estamos em épocas de verdades absolutas e eu não conhecia seu trabalho e muito me arrependo disto. Sabem por quê? Porque tínhamos muita dificuldade de nos aproximarmos.

Sabe essa coisa besta de pai e filho, cheio de rancores, cheio de raivas mutiladas e medos obscuros? Nada ficava explícito, nada podia ser dito assim de chofre, mas eu o admirava muito. Eu admirava sua capacidade de concisão, seus textos condensados e sábios. Fez sucesso na década de sessenta, ganhou prêmios.

Nosso apartamento era amplo, localizado no alto de uma rua (hoje é um prédio velho perto da Avenida Aclimação) e sua vista dava para o Jardim da Aclimação e podíamos ver o sol despontando no horizonte e o víamos se por do outro lado. Arejado e amplo, ele tinha grandes quartos e meu pai sempre pós em nossas mãos tudo o que podia para nos fazer felizes, pelo menos nada nos faltava. As lembranças que tenho dele são as de um homem sisudo, magro e de óculos, às vezes amargo, às vezes sorridente, mas muito culto e firme em suas idéias.

Era firme em suas posições e apaixonado por elas. Defendia seus pontos de vista quando o questionávamos. Defendia de maneira firme, forte e certamente baseado em sua experiência. Lembro-me de vê-lo triste, quase deprimido mesmo, quando ele resolveu romper uma sociedade que já não o satisfazia. Perguntou minha opinião e apesar de minhas invectivas, ele permaneceu firme como um capitão em seu leme a mudou o curso de seu navio, para sempre e desfez a sociedade. Eu acho que se ele houvesse aguentado mais um pouco, estaria muito rico. Preferiu ser fiel a seus sentimentos, a suas idéias e crenças. Abriu agência própria e voou sozinho ou melhor, com novos sócios, mas era ele quem brilhava agora.

Eu na época censurei de certa forma sua atitude, mas eu entendo o que ele fez hoje. Agora consigo entender que um homem deve seguir seus princípios e não ir pela cabeça dos outros, não mesmo. Um homem deve seguir o que a vida lhe oferece mas sempre respeitando seus limites humanos. Bancar o herói, mesmo, é difícil!

Tenho muita saudade de meu pai. Eu me vejo hoje andando às vezes desorientado e confuso, então me lembro dele e penso: O que faria se fosse meu pai? Sua presença se fazia sentir em nosso padrão de vida, no amplo apartamento e nos natais que ele passou conosco eu me lembro de vê-lo feliz e jogando cartas com a família. Estes carteados eram antológicos, pois reuniam meu avó, meus tios, meu pai e outras pessoas e eles jogavam buraco; a malícia de sues olhares de esguelha, craques tocando a bola de calcanhar em calcanhar, era maravilhosa! O sabor do café servido era ótimo e posso sentir seu aroma invadindo a mesa enquanto em silêncio olhares eram decifrados e grandes batidas acompanhavam o ritmo cadenciado dos jogos. Nunca havia dinheiro na mesa. Não. O que se jogava era a honra de ganhar a partida, para na seguinte saber perdê-la. Nunca ví nenhum deles brigando, exceto quando um deles errava na mão e o parceiro se irritava.

O relógio marcava as horas e eu sabia que esse tempo era perfeito. Era um tempo de contos de natal, era um tempo de cartas mágicas e era um tempo de aromas paradisíacos, o aroma do café coado, do vinho tinto de meu avó, da coalhada de meu tio, da gemada batida com vinho do porto de minha avó. Era um tempo de cartadas perfeitas, de rivalidades absurdas e de medos antológicos ( vivíamos os anos de chumbo da repressão) então não se falava em política a altos brados. Era tudo a meio tom.

Tenho muitas saudades dele que nos deixou assim mas guardo comigo, em meu coração, com toda a força, o quão importante foi sua presença maravilhosa. Como pode se moldar um caráter assim, quanto dele existe em mim? Como pode ser tudo tão perfeito, tão planejado, a vida tão milagrosa que nos põe em contato com tantos movimentos perfeitos, tantas pessoas agora distantes? Guardo comigo seus olhos e sua força. Guardo comigo as cenas de que me lembro, uma partida longínqua de futebol de várzea em que o vi de calção e fiquei sabendo que fora bom jogador, imaginem, meu pai! Fumante inveterado, acabou abandonando o esporte em nome da vida duramente cavada; uma noite em que ele acendeu um palito de fósforo e com a brasa dentro da boca corria atrás de nós de lençol sobre a cabeça. Uma guerra de batalha naval num domingo.

São coisas que se fazem presentes em minha memória. Hoje é véspera de Natal e eu agradeço os presentes que ganhei dele em todos esses anos. Obrigado meu velho, aonde quer que você esteja, você sabe quem eu sou e meu nome. Eu tinha de dizer isso algum dia, para que todos vocês soubessem.

Portanto, se tiverem um pai como o que tive e se houverem rusgas não declaradas, situações mal resolvidas, remorsos ocultos, já é hora de fazer uma revisão de seus sentimentos e conceitos. Já é mais que hora de expressar tudo o que pode ser falado, sem deixar sombras sobre as suas relações. Não deixe ocultar-se a beleza de ser filho, não deixe as coisas chegarem ao ponto do esquecimento. Simplesmente não deixe!

Obrigado, meu pai!
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