Nunca poderemos saber onde andam nossos sonhos, estes seres luminosos que nos habitam na calada da noite e que emergem de nossas almas e acalentam nossos mais profundos desejos, nossos mais belos dias. São como as águas de um rio profundo, recortado em gargantas de pedra e que no estrondo de uma cascata de energia, repousam ao fundo, num lago onde crescem as famílias de peixes das mais finas cores e variedades e onde os seixos testemunham o trabalho milenar na natureza, esculpindo e aparando as arestas que podem ter surgido antes mesmo de um passado sequer ter existido.
Podemos saber onde dão as águas do rio, podemos presumir a sua fonte, mas jamais podemos recortar de novo o seu curso, pois este se faz a si mesmo, medrando sua própria história nos ramos de árvores que se nutrem de suas cálidas águas ou no musgo que esverdeia as rochas cristalinas nunca pisadas por homem algum, exceto pelos alados pés dos sonhadores, dos fazedores de histórias e dos anjos que insistem em habitar a nossa terra. Não. O curso de um rio, o destino dos homens, a natureza das almas e dos sonhos, não nos é dado ou permitido inferir. Podemos traçar sua geometria, num ousado cálculo repensar sua trajetória: Uma única tempestade pode mudar para sempre os trajetos dos peixes, das aves das bordas e dos anjos que flutuam acima dos vapores da cachoeira.
Aprendi que o curso da vida é como um rio que se faz a si mesmo: Assim se faz nosso arbítrio, surgem nossas escolhas e nossas trilhas; podemos saber onde dão sem podermos ter ousado sequer pisá-las? Não chegaríamos à lua se não ousássemos sonhar, se não pudéssemos sorrir por um amor impossível a lua permaneceria sendo um astro gelado e sem vida, mas não: Quantos poetas por ela morreram de paixão, quantos casais se olharam na lagoa refletindo a luz prateada da baía nos alvores da madrugada?
Tortuoso é o curso da vida de um homem, que nasce puro qual rio secreto, ao longo dos primeiros anos conhece os brinquedos, até os dez anos reconhece em si os vícios do mundo e aos vinte se acha o dono do seu destino. Aprendi que mal sei o que sabia antes, reconheço que o curso pode haver mudado, porém a fonte permanece intacta e a foz jaz na lagoa de peixes. Resta seguir o curso das águas e esperar.