Que digo dessa moça:
Ela era bela;
Na Rua do Rangel
Cumpria a lida.
Contava umas histórias
Muito amargas:
A mão pesada sempre
Do marido.
A tez do corpo
Parecia um mapa
De sinuosas vias
Esculpidas;
Vertentes caudalosas
Espraiadas
Nas marcas indeléveis:
Cicatrizes.
Herança de um passado
Pouco honroso;
A mão pesada sempre
Do marido;
O cheiro de aguardente
Por parceiro,
Mais a aspereza dos gestos,
Voz e gritos.
A vizinha assustada
E curiosa,
Acompanha de oitiva
O mesmo rito,
Panelas navegando
Pelos ares
Na costumeira
Direção do lixo.
Essas histórias
Presas no silêncio
Daquele quarto sujo
Do cortiço
Faziam fundas marcas
Ressurgirem:
A mão pesada sempre
Do marido.
Não fez pousada ali
Por voluntária,
Foram as vertentes
Que formaram o rio,
Com as águas deslizando
Nos remansos
De profundos e imensos
Desafios.
Tão lastimável
Essa mulher tão bela
No palco natural
Das meretrizes;
Confusos pensamentos
Povoando
Os passos e os caminhos
Indecisos.
De repente é sacada
A mão do bolso
Com a medida
Que paga o compromisso;
E esquece a história, a dor
E a noite amarga,
Onde a mão solidária
Faz-se omissa.