Calada da noite. Um risco define um espaço, o meu rosto surge num flash vermelho. Barba por fazer, cabelos desgrenhados. Ao lado, vejo os ponteiros fluorescentes do pequeno relógio de cabeceira e o zunido eletrónico da Càmera de Vigilància Geral. Sei que ela me vê, sei que ela define minha silhueta no escuro. Eles sabem que estou acordado. Também sabem da garota que dormiu comigo. Sabem que ela tem vinte anos a menos que eu, sabem que eu a derrubei como se derruba uma potranca. Eles que se danem, eu sorvo o cigarro profundamente, olhando desafiador na direção do ponto invisível do teto, onde eles se concentram. Já não viram tudo? Já não notaram que apesar de minha idade, eu a deixei completamente exausta? Pela janela, definem-se as cores de um amanhã improvável. As cores violáceas há muito tempo se tornaram secas,cor de areia. Um movimento e um bater de asas--um raro pássaro: Avis Rara. A moça ao meu lado mexe-se, irrequieta. Suas pernas se enrolam à s minhas, o calor que ela emana é absurdo. Eu continuo sugando o cigarro, ávido pelo tremor da nicotina, sinais da manhã que nasce, pálida, no céu seco de um agosto oco . Eu olho o teto; Será que depois dessa noite ela ainda se lembrará de mim? Será que depois de ser conquistada, usada, abusada, ela não me descartará como sempre elas fazem ao ficar com o verdadeiro amor de suas vidas? Faço um sinal para o teto. Dane-se, eu penso. Danem-se. Jogo a bituca do cigarro na direção da càmera, uma chuva de pequenos meteoros risca a escuridão do quarto, iluminando até a bunda de minha jovem namorada, que ficou um pouco à mostra. Estes tarados devem estar atentos aos seus mínimos traços, será que ela mesma não faz parte dos quadros deles? Ela, colocada à minha frente, só para que a seduzisse e produzisse o material que eles tanto precisam , que executam uma tarefa útil? Ah, crónica manhã de agosto, mês em que eu nasci, mês do suave vento e de frias nuvens; olhos secos nas ruas, augúrios... Por falar em augúrio, minha linda acompanhante se encosta em mim, numa promessa de novos ritmos caribenhos em pouquíssimo tempo. Apagou-se o cigarro em um instante, tudo isto eu pensei enquanto durava a chuva de pequenos sóis. Como se sentirá o criador, vendo bilhões de sóis nascendo, se expandindo, correndo em direção ao nada, explodindo, murchando, engolindo todos so planetas...? Será que ele pensará no quão tedioso é ter de gerenciar tudo isto, enquanto uma imensa preguiça domina seu intelecto avantajado? Eu adivinho os contornos de Isabelle(esse é o nome dela) e percorro com a mão suas espáduas,suas coxas perfeitas. Acendo mais um cigarro. Nova luz bruxuleante, ela geme e eu percebo, agora ela desperta de novo, pressentindo que vou domá-la, viciá-la, seduzindo seu corpo e sua mente ao meu bel-prazer. Ela desperta e seus doces pezinhos se retorcem nas pontas porque ela sente o calor de minhas coxas pressionando suas nádegas firmes... O zunido está lá, perene.
Tenho mais o que fazer.