Cumpro doloroso dever. Enrolado em sacola de plástico de supermercado, foi pra lata de lixo minha mais recente homenagem a Pavarotti, meu "nersonnéddi", que cantou até quando póde. Antes disso, tirei-o da gaiola e levei-o pra janela. Com ajuda do Sol, tentei ressuscitá-lo com minha força mental. Foi aí que constatei como estou mentalmente fraco. Não teve jeito, minha netinha, maior de 11, ainda lhe fez último carinho. Sobrou, então, somente o dever doloroso de comunicar aos criadores esse passar.
Passarão muitos dias, até que eu me conforme. A gente morre de pena, mas o que fazer, senão buscar consolo num site aqui, outro ali, e navegar pelas palavras, digitar lembranças e, com estas, quase chorar. E eis que, ao começar estas mal traçadas linhas, justamente, quando eu engrenava terceira, veio um pique de luz. Apagão na minha casa, menos no meu "notebook", muito menos ao digitar a terceira linha. Ele continuou como se nada tivesse acontecido. Reconsiderei minha força mental como esse fato. Nem Freud explicaria. Metafísica pura.
Passar de pássaro faz pensamento voar mesmo, ora pra baixo, sem nenhum alvo mais, ora pra cima, pra buscar superpoderes. Ao limpar a gaiola é que vi. Fundo removível, forro de jornal. Folha do caderno "Masculino & Feminino"... Que influência teria tido aquele caderno nos últimos dias do falecido?
Tivesse maiores poderes, mudaria certas coisas nas relações entre pássaros e o jornal. Primeiro, padronizaria a largura das folhas de jornais e dos fundos de gaiolas, de modo que tivesssem a mesma dimensão, e a altura da folha de jornal seria o dobro do lado da gaiola. E mais, atualizaria o nome do caderno para "Masculino, Feminino e Demais Sensivos".
O nome do jornal também seria alvo do meu poder. Em lugar de "Estado de...", que tem sentido de estar, permanecer, assistir, iniciaria com "Assistente de". E todo mundo sabe que nosso estado, que nunca foi bom das pernas, ganhou o nome de "Minas" por causa das dinamites, por causa do ouro, e de "Gerais", por causa das sesmarias, da distribuição de terras aos fazendeiros, com patente de coronéis. Mas hoje não há mais minas tão produtivas assim, nem coronéis tão fazendeiros assim. As coisas estão sendo resolvidas é com tiros e tiras. Tiro pra cá, tiro pra lá, tira pra cá, tira pra lá. Ninguém sabe o que vai permanecer, o que vai estar, o que vai assistir. Por isso, como não tenho poderes para tanto, pois minha mulher é que é assinante, ela deveria sugerir à direção novo nome pro jornal: "Assistente do imprevisível", o que atenderia a todos os responsáveis por seus cadernos. Pelo menos, do alto dos seus poleiros, os passarinhos não morreriam de ansiedade, de incerteza, de exclusões.