Ernesto andava preocupado com Angélica (filha de sua ex-auxiliar doméstica por mais 10 anos, que não conhece o pai e só foi registrada em nome da mãe), a qual não queria continuar os estudos. Concluiu o ensino médio, fez alguns cursos de informática (a custo) e natação para aprender a defender-se. Concursos públicos (ou entrevistas em empresas privadas) para tentar classificação e obter emprego? Nem pensar. Era tudo grande descaso.
A isso se acrescenta: não comparecia ao dentista, que, com sacrifício pagava mensalmente; nunca se lembrava de datas importantes (Dia dos Pais, Dia das Mães, Natal, aniversários de nascimento e outras).
Independentemente dessas coisas, continuava com o firme propósito de que ela fizesse um curso superior (de preferência, o que mais gostasse, ou que lhe permitisse definição profissional mais rápida).
Tentativas diversas fez. Retorno quase zero. A não ser o de algumas mensagens que eram respondidas com atraso de até duas semanas.
Meio perdido e sem saber qual seria a decisão certa, conta em pormenores o fato ao seu melhor amigo e pede conselho.
Assim, recebeu comovente e dura resposta que parece lhe fez bem.
Ao companheiro Ernesto
Prezado confrade, ao tomar conhecimento da história e levando em conta que você (com fidedignidade e caráter altruísta) me pede opinião, alinho algumas colocações:
a) acho muito válida sua atitude em querer ajudá-la; mas, muito sinceramente, julgo também que você deveria deixá-la fazer do jeito que entenda melhor;
b) disse-lhe o que supõe mais viável, tentou lhe abrir os olhos para o fato de a idade não perdoar, que a vida de solteira sem filhos é uma, e a de casada - com crianças e outras responsabilidades inerentes - é bem mais complicada e cheia de renúncias (claro isso se houver desejo de sobreviver);
c) advertiu-a de que o futuro tranquilo está mais assegurado num trabalho em empresa sólida com possibilidade de crescimento, remuneração adequada (somam-se a isso, os salários indiretos) ou em órgão público, que ainda é grande opção;
d) mostrou que em qualquer alternativa, o estudo se faz necessário (e se propõe, Ã medida do possível, a subsidiá-lo);
e) imagino que devemos deixar as pessoas fazerem as próprias escolhas, mesmo que não concordemos ou até que elas estejam erradas. Na maioria das vezes, precisam quebrar bastante a cara para tirar proveito de algo;
f) tenta amigo, no momento, empurrar rocha presa ao solo e sabe que ela não se move (gastará forças e toda a energia mental em vão); .
g) argumenta que concluir curso superior é imprescindível (se me permite, não entendo dessa maneira); caso ele não seja muito bom e muito bem feito, não tem quase nenhum valor: muitas profissões nem exigem mais a graduação: o que vale hoje, no mercado de trabalho, é a experiência profissional. Claro que é importante, tem seu valor ainda. Creio, todavia: as pessoas que primeiro buscam um trabalho têm maior oportunidade de sucesso feliz;
h) penso que o primordial é obter emprego para depois, verificar qual o curso melhor projetará carreira profissional;
i) possuir diploma de nível superior não garante, de forma alguma, trabalho ou colocação. Conheço centenas de pessoas que possuem diploma e não encontram emprego. Cito o meu exemplo: jamais o consegui com o meu diploma. Estudei para concurso público de nível médio e, após muito esforço e confiança em mim, passei e obtive boa classificação;
j) complementar conhecimentos o curso superior poderá; não afiança, entretanto, futuro profissional;
k) estão as empreitadas (hoje em dia) bem mais difíceis, e a exigência muito maior;
l) presumo que a preferência melhor ainda são os concursos públicos: depois de ter emprego estável, é muito mais fácil conseguir bolsa de estudos. Adicione-se que muitas empresas oferecem ajuda de custo para funcionários concluí-los, de acordo com a área em que atuem e em harmonia com a necessidade do órgão. Muitos que terminaram o ensino médio comigo não fizeram faculdade logo após. Procuraram estudar para os concursos públicos. Fizeram-nos, passaram, classificaram-se e, atualmente, têm pós-graduação e até mestrado (com prazer e honra, incluo-me entre eles).
Por fim, sugiro deixá-la eleger o que julgar mais conveniente. Não se preocupe com isso. Cada um tem sua forma de aprendizado. Gastar dinheiro com um curso superior agora é o equivalente a atirar no escuro.
Sem dúvida, conhecimento é sempre bom e nunca sobra; contudo, não vale a pena investir em algo de que não se conhece (nem se hipotetiza) o retorno.
Empresas investem em bons profissionais, nos em que acreditam que lhes darão retorno imediato e garantido.
Se Angélica não deseja fazer curso superior, não adianta insistir, porque estará forçando algo de que não terá a compensação esperada.
As pessoas precisam querer ajuda para ser ajudadas. E, no momento, não é isso que ela quer. Deixe-a escolher seus caminhos. Não se atormente com isso. Mais cedo (ou bem mais tarde!) todos aprendem. Não resolve querer que ela faça as coisas. Nós não podemos mudar o comportamento de outros.
Todo esse empenho que tem tido só gera desgaste. Evite-o.
Fique tranquilo. Fez a sua parte. O resto depois saberá. Tomara sejam notícias agradáveis!