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Cronicas-->Os Vales de Marte -- 05/03/2011 - 00:05 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O mundo pode ser vermelho. Pode ser vermelho e cheio de canais ressequidos, frio e ventoso. O mundo pode ser perfeito, desde que eu esteja ao seu lado, desde que eu perceba as nuances de seu sorriso. Pode ser também absurdo, obsceno, uma língua de fogo rubra percorrendo as suas entranhas, um momento de perda dos sentidos, uma síncope, uma casa de loucos desejos. Um desmaio indesejável, no momento inoportuno, num ano improvável. Você no banho, elementos em contato: Fogo e água, seus cabelos encantados, seus olhos imantados na perfeição de suas formas no espelho. Boca entreaberta, dentes ligeiramente separados, só de perto se pode ver. Cabelos em cachos recobrem seus olhos e um movimento gracioso afasta as sombras do olhar.



--Era um planeta vermelho. Definitivamente era Marte. Imagine, eu deveria ir a Marte e quem me convocava era uma moça que digamos pilotava uma astronave. Eu, que sempre fui tão racional, só me lembro justamente do que nunca poderia ser! Uma voz suave e acolhedora me chamou a bordo e me vi cercada de instrumentos, relógios, mostradores e controles de todos os tipos. Eu queria, mas sabia que não deveria tocá-los. "Não toque em nada; somente eu posso colocar minhas mãos. Nenhum mortal pode sequer tocar aqui porque sabe e eu sei que podemos cair das alturas e nos espatifar no solo lá embaixo. Se isso acontecer, com certeza será nosso fim porque lá para onde vamos, o ar é rarefeito e não sobreviveríamos nem cerca de uma hora." Tudo bem, aí eu senti o empuxo poderoso daquele mecanismo e fomos viajando pelo ar. Foi quando olhei da escotilha e lá embaixo uma esfera avermelhada cravejada de riscos pontilhava o horizonte em majestosa recepção.



O mundo pode ser azul, definitivamente azul, um suave olhar nas estrelas e do alto podemos divisar nossa casa refrescante pairando sob as nuvens... Nossa casa, plena de nuvens, um bálsamo único em nosso Cosmo de dimensões infinitas; um Paraíso conspurcado tão frágil como uma casca de gelo ao sol. Nosso lindo útero e placenta. Nossa mãe primordial. Repudiada, desfigurada, ainda plena de luz e beleza. A fumaça dos cigarros nos confunde aos dois. Entre as brumas nos olhamos nos olhos, sua íris divisa minhas pupilas. Em nossas mãos o toque sereno, o calor de seus dedos finos e macios se aninha às palmas de minhas mãos que sorvem o precioso momento da hora do encontro.



--Quanta fumaça. Parece que nós desejamos isto!

--Também não gosto desta névoa.

--Reparou que eles parecem pequenos vulcões?

--Todos riem como se escarnecessem de nossa cara.



Nossos olhares se cruzam. O amor é vermelho, poderia ser um vale esculpido em nuvens violáceas ou quem sabe uma névoa que banhasse nossos plexos solares, enchendo nossos corpos de um desejo irrefreável e urgente, uma pulsação de càmaras cintilantes sob a mesa, num segredo de pés que se tocam. Seu olhar denuncia o prazer iminente e que se avizinha, turvando seus lábios e intumescendo sua pele fina dos cantos da boca que se contrai cada vez que a ponta de meu pé toca a raiz de sua coxa.



--Não, ela não ia me levar. Depois de me examinar inteirinha, dos pés à cabeça, sempre anotando com suas mãos de finos dedos tudo o que podia absorver de minha alma, ela disse num suave suspiro entrecortado: Ainda não sabemos a extensão do dano. Temos um longo tempo pela frente, ainda devo ver você outras vezes, de modo que fique sempre à nossa disposição. Pode usar o raio trator se precisar; não nos incomodará em nada." No horário determinado por ela, eu fugi, para nunca mais voltar à tal astronave.



Nas palmas de nossas mãos se delineia o futuro. Os canais de Marte cruzam de lado a lado a superfície rugosa vista de um microscópio: Crateras, vales imensos, cristas de montanhas repentinas e dunas de ondulantes estruturas vitrificadas. No entanto, o toque suave é mais do que isto, muito mais do que a pura anatomia e o estudo das formas escancaradas pela visão espectral. Nós trocamos na carícia nossos melhores sonhos, é pelas mãos que passa toda a delícia de um sonho a dois, é no aperto de uma das palmas contra a outra, a do outro, que se trocam os fluidos de cada alma e isso nunca estará visível aos olhos da mente, mas sempre aos olhos do coração. O complemento do olhar que rebrilha no meio de densos rolos de fumaça, o ruído que se esgarça ao ouvir as palavras suaves um do outro, o calor da proximidade do corpo de um em suave presença ao arrepio do outro... Os lábios que se aproximam em doce consonància, em uníssona vibração. As bocas coladas em um beijo que aquece a barriga de ambos e acelera corações em frenética escalada, mãos que agora ávidas exploram recónditos lugares que não ousariam se não fosse o escuro. Nisso as palmas e a luz repentina interrompem o que já se aproximava veloz; todos se erguem para saudar a nossa querida amiga que se salvou por um pouco de perecer sozinha em lamentável incidente pessoal. Ela sorri sob a luz vermelha pousada em sua fronte; um jato rubro lhe concede majestade. Típica luminosidade de quem se recuperou há pouco e não vê a hora de tirar dos ombros o fardo do desassossego da escuridão que quase a envolveu inteiramente.



--Que seja assim. Voltei de Marte! Adeus à morte. Viva o viço, a vida, viva a esperança.



Palmas a redimem de qualquer lágrima.



Atrás dela, a moça da nave, que a esperava pacientemente, vira as costas e se retira.
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