(Relatório da visita do Presidente Obrama ao Rio de Janeiro)
Sábado à noite
Chegada ao aeroporto por volta das 21h - ainda na pista, saudação com as charangas dos quatro grandes times de futebol do Estado. Presença de algumas torcidas organizadas. Grito de guerra dos times. Entrega das camisas autografadas pelos jogadores. Todas trazendo o nº 10 à s costas, com o nome do Presidente homenageado.
A seguir, foram servidos sanduíches naturais, diga-se de passagem, preparados desde as 15h, porque não poderia haver atraso, e refresco de maracujá para acalmar a comitiva.
Em sequência, foi dado início a um breve passeio turístico de ónibus pela orla do Rio, começando no Aterro do Flamengo e seguindo até o Pontal, coisa rápida. Chegando finalmente ao hotel, na madrugada de sábado para domingo, o Presidente foi recebido por representantes de várias seitas e religiões. Havia, entre outros, evangélicos, católicos, umbandistas e um rabino. Coube a cada um o tempo de vinte minutos para as palavras iniciais de boas-vindas.
Ao deitar-se para o merecido descanso, ouviu forte barulho na rua, causado por panelaço e buzinaço, que o fez ficar à janela acenando por uns poucos quarenta minutos, até que os mais de duzentos veículos passassem. A maioria dessas viaturas trazia faixas dos tipos: "Os Bairros da Leopoldina saúdam Obrama"; "O Sindicato dos Condutores de Pás Mecànicas apoiam o Ilustre Visitante"; e "Os Catadores de Papel do Baixo Gávea estão à disposição do Presidente e sua família".
Terminado o evento, Obrama recebeu várias ligações telefónicas internacionais de países onde o dia já estava pleno. Demonstrando cansaço, inexplicavelmente, foi o visitante dormir.
Domingo
Às 6h, o dia começou com alvorada festiva promovida por fanfarras estudantis, que garbosas deram vivas ao Presidente.
Após o café da manhã frugal, no Pavilhão de São Cristóvão, onde foram servidos aipim, carne seca, tapioca, paçoquinha e outras iguarias nordestinas, houve um banho de mar em Copacabana, acompanhado de animado futevólei, com a participação de esportistas e dos quase quinhentos seguranças.
Em continuidade, foi levada a termo a saudável caminhada acelerada, desintoxicante, de duas horas no Alto da Boa Vista.
Na parte da tarde, foi oferecida a famosa feijoada da Tia Sarita, na quadra da Escola de Samba da Porteira. Estavam presentes, para abrilhantar, a velha-guarda da Escola; pagodeiros; o grupo afoxé Filhos de Grande; Carlinhos Black, diretamente da Boa Terra; Mouro, o Beijoqueiro; e Isabelina dos Patins. Foram reservados 5.000 litros de chope. Para complementar, foi passada uma rodada de chimarrão, para a digestão e prevenção da ressaca. Afinal, os anfitriões não queriam miséria nem quebra da hospitalidade carioca.
Verdadeiramente, a programação do dia mal estava começando, quando houve uma meteórica passagem pelos bares da Lapa, com direito a show de chorinho no Circo Voador.
No entanto, foi feita oportuna interrupção para o esperado discurso, que seria no Teatro Municipal, mas que acabou transferido para a Cidade do Samba, local julgado mais apropriado. Lá, diante dos sambistas histéricos, Pretinho da Beija-Mão, puxador de samba na avenida e amigo de longa data, deu o recado certeiro:
- Obrama, meu velho, você é parceiro, não enseba, faz um discursinho rápido, coisa pouca de no máximo três minutos, que a moçada não aguenta xaropada longa.
Alinhavado o discurso, como possível, conforme a distinta plateia reivindicou, passaram os presentes aos suculentos tira-gostos, incluindo as bebidas. Tudo variado e farto. Não faltaram a linguicinha acebolada, a batata calabresa, os tremoços, o torresmo, este por imposição do cantor Zeca Malandrinho, e a caipirinha de cachaça.
Claro que foi disparada uma roda de samba arretada, com direito ao rebolado das cabrochas e à s batidas da palma das mãos. O "homem" tirou a barriga da miséria. Nunca havia participado de animação igual!
Enquanto isso, a madame Primeira-Dama recebia curso relàmpago de Porta-Bandeira. Espetáculo de evoluções! A assistência em delírio assoviava e fazia coro:
- Dez, nota dez!
As filhas também aproveitaram, todavia, de forma mais comportada. Foram levadas ao Parque Shunghai, na Penha, onde experimentaram os brinquedos. Aliás, os mais modernos do mundo, sem dúvida! Voltaram maravilhadas.
Mas nem só dos prazeres mundanos vivem os homens. É necessário o momento interior, de recolhimento e fé. A oração preenche a alma e oferta paz! Pensando nisso, o Presidente e família foram ao Cristo Redentor.
Após a missa, ao pé do Redentor, houve uma sessão de fotos com integrantes de ONG, com turistas árabes e chineses, e, por fim, com "socialites" cariocas, estas nitidamente eufóricas.
O dito popular registra o famoso "tudo o que é bom dura pouco". Reconhecemos que, para um dia e poucas horas, a programação foi intensa, porém perfeitamente absorvida pelos visitantes, dentre os quais constou até a sogra de Obrama, prestigiada pelo carinhoso convite do genro. Família unida é assim. Se for para um ir, que todos estejam juntos.
Nada mais restando, por motivo de prosseguir em viagem para outro país, embarcou a comitiva presidencial em um Trio elétrico, a convite da Prefeitura, rumo ao aeroporto. No caminho houve várias manifestações de apreço ao Presidente. Muitas paradas ocorreram para fazer face à calorosa despedida. Em cada parada, pequenos shows foram realizados: de capoeira, de dança, de canto, o que fosse. Tudo com bastante alegria.
Apenas um senão foi anotado. Um esquadrão do Choque de Ordem, desavisadamente, em função da fuzarca, fez com que o séquito comparecesse à Delegacia Policial mais próxima. O maior quiproquó!
No final, porém, bastou a interferência salvadora e a tradução atenta do esportista Noel Santanna, dissolvendo o mal-entendido. Com a pendenga resolvida, o Trio elétrico seguiu finalmente ao destino.
Pelo avançado da hora, a despedida derradeira no aeroporto foi rápida e singela. Gritaram "vivas" a Obrama, e foi entregue uma caixinha de biscoitos de polvilho para a degustação a bordo do avião.
Conclusão do relatório
Ficou, mais uma vez, evidenciada a hospitalidade carioca. Sim, exagerada, mas do nosso jeito. Sua Excelência, o Presidente, abafou geral. Deixou saudade. Valeu a permanência. A despedida deu o tom da boa avaliação da visita: - "Have a nice trip". "See you later", Obrama.
Alfredo Domingos Faria da Costa
(Notas do autor: os nomes usados foram alterados propositalmente; e o texto é obra de ficção. O resto fica por conta da coincidência)