Cheguei naquele café já sentindo náuseas. Café com arzinho intelectualóide me provoca náuseas. Uma teenager modernosa que parecia muito uma inanimada boneca de porcelana importada do Japão com uma camiseta rasgada escrito - arte conceitual, wow - veio falar comigo e falou: _O que o senhor deseja? Aquele típico, falso e forçado respeito e interesse ao cliente brotava de sua rosada bochecha, e no corpo todo, gestos previsíveis. _Uísque! - disse. _Duplo! - disse. _Sem gelo! - disse. _Água com gás? - ela disse. _Claro que não! - eu. Fiquei pensando - Mc´Donalds está fazendo escola - sempre tentam empurrar algo a mais no seu pedido, agregar alguma porcaria, tipo - batata grande? refri grande? água com gás? Tática pra pegar indecisos e sem personalidade que dizem sim pra tudo com medo de magoar coraçõezinhos alheios. Fiquei pensando no meu salário. Bebi num gole. Lamba o tímpano do seu chefe que terá aumento a cada 6 meses e assim seguirá risonho aplicando asquerosas lambidelas de forma recorrente visando o futuro pagamento em dia de novos boletos da Casas Bahia. O jogo é assim mas definitivamente o rei não é você e seus movimentos são limitados a uma casa, peão. Passos contados, económicos e regrados. Perguntei educadamente se poderia mudar de música. Ela disse que sim educadamente. _O que o senhor gostaria de ouvir? _Qualquer coisa. _Alguma sugestão senhor? _Tim Maia. Ela gesticulou com a cabeça mas não pareceu ter gostado muito. Percebendo o desgosto, mandei: _Esses branquelo de classe média que só fazem rock deveriam aprender alguma coisa de swing com o Tim. De quem o senhor está falando? _Beatles. Fui fuzilado por um olhar de ódio. Fiquei feliz porque foi a primeira vez desde que tinha chegado que senti algo de vida naquela menina. Já estava me preocupando. _Outro! - disse. _A mesma coisa? - ela. _Outro, já não diz tudo? - eu.