Não sei se você conhece o lugar, mas tem uma praça perto do Jardim da Aclimação que tem uma fonte no meio, a Praça Polidoro. Eu costumava correr perto do Jardim e depois caminhava pela praça sem rumo; como a praça é redonda, meu rumo sempre se encontrava com meu antigo após uma volta e eu olhava para trás e me perguntava, afinal: Quem é aquele outro que entrou na praça há uma hora, eu ou o Outro de mim? Aliás, quem é esse estranho que sonha por mim, caminha sem rumo por mim, vez em quando, sempre num momento em que resolvo refletir?
Sim, Outro de mim porque o eu de mim mesmo está ocupado em sobreviver ao eterno Holocausto que é a vida dita comum. Nesta vida comum, o homem comum tem de se haver com os problemas da existência, nada poéticos. Tem de comer, tem de ter roupas passadas, tem de comprar o próximo jornal. Este homem comum, o meu Outro, tem de ser prático, pragmático como um trabalhador de açougue: Abatendo seus sonhos metódico, rasteiro, sem pensar.
O Homem do açougue pensa que é feliz, porque abate os animais com a frieza de um executor psicopata--Porque se não fosse assim, perdia o rumo e caminhava em praças redondas, sempre se voltando para trás e perguntando à fonte e a si mesmo: Quem é aquele Outro que entrou na praça? Definitivamente, eu sou meu Outro e este me realimenta, realinha minhas prioridades e deixa o cutelo do abatedouro cada vez mais para trás.
E Eu, o meu Outro, o que sou? Afinal, sirvo à fonte ou me dou mais ao cutelo? Quem sou eu afinal, o homem comum que não se abate por nada ou o meu duplo, que faz as vezes de sonhador? Não tenho ainda um consenso. Imerso nos pensamentos, eu e meu outro caminhamos juntos e pisamos na grama, sentados sob a fina névoa molhada que brota do meio da praça.
Os dois nos curvamos à suave luz da alvorada.
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