Usina de Letras
Usina de Letras
70 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 62823 )
Cartas ( 21344)
Contos (13289)
Cordel (10347)
Crônicas (22569)
Discursos (3245)
Ensaios - (10542)
Erótico (13586)
Frases (51217)
Humor (20118)
Infantil (5545)
Infanto Juvenil (4875)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1380)
Poesias (141100)
Redação (3342)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2440)
Textos Jurídicos (1965)
Textos Religiosos/Sermões (6301)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Viagem -- 11/06/2012 - 09:12 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Acordar de manhã e olhar pela janela, vendo um sol dourando a pílula, nada melhor! Pelo menos cessa o gosto de cabo de garda-chuva que o tempo enfarruscado lhe dá. Nada a fazer senão preparar as turbinas e virar a esquina da padaria.

--Café com leite e pão na chapa.

--É para já, ô pá!

E sai o café de gosto bom, devidamente mestiçado com o branco que satisfaz. Falar em mestiçagem, quão belas as morenas, como a que vejo de pé, tomando o café e de bolsa a tiracolo(que ninguém deixa de ser esperto nesta vida louca de São Paulo). Ela bem que negaceia, mas eu olho mesmo. Não que eu seja um espanto de feiúra, mas eu não sou exatamente o tipo que ela deve gostar. Sei não, eu desconfio disso. Mas que ela olhou de rabo de olho, ah olhou, penso eu enquanto faz croc o pão saborosamente quente que preparou o português. Eu penso que a morena pensa que eu penso dela o que ela pensa de mim e eu pratico desde já o desapego porque sempre que eu penso nela, ela deixa de pensar em mim. Não é aà toa que eu sou assim, solitário empedernido. Costumava confiar mais nas pessoas, nas mulheres em geral e nas morenas em particular. Desde que ela se foi, deixando um gato siamês e um buraco em meu coração, tudo que vem é lucro e despesa, dependendo de onde se olha. Ou os dois, dependendo de quem paga as contas. Da última vez que eu olhei, a moça se chamava Dalila. Eu, como nunca fui um Sansão, fingi que dava corda mas ela não se amarrou em meus cabelos e eu a deixei ir sem qualquer proposta de caso novo. Melhor assim, podem crer. O que eu gostaria de saber é o porquê das mulheres serem todas tão delicadas no início, grossas no meio e secas no final. Isso é o que elas são, enfim.

Mas que a morena olha, ah isso ela olha, olha sim. Eu geralmente peso que a encrenca é alheia mas não, geralmente estou enganado. Jamais tive o erro de supor que um olhar era assim e fora assado. Eu, em geral, sinto mais do que devo. A moça tinha um quê de modelo, era um pouco mais alta do que eu (isso é bem provável, dada minha genética econômica) e usava uns saltos finos que as fazem se equilibrar no abismo, impossível descrever os malabarismos todos. E ela lá, saboreando um café com pão, sem mestiçagem. Ela própria, uma mistura divina. Que o diga o português, salafrário, servindo mais café com mil mãos e mesuras, que o diga o esperto barman que quase quebrou váios copos, de olho seco no derrière dela; que o diga o Jaiminho, garçom dessas paragens e de outras, já velhinho mas nem por isto, morto.

--Sou velho, seu doutor, mas não estou morto.

--Eu sei, Jaiminho. Eu sei. 

--Bela moça, não?

--Deve ser um tipo de modelo. Sabe, ela não tem altura para ser modelo de capa de revista. No entanto, muitas dessa moças cedem pernas, bumbum, mãos...

--Engraçado, partes, como uma feijoada!

Juro que não pensei nisto, partes de uma feijoada, como a que você come e bóiam na panela. Que imagem!  Jamais imaginei esta ironia em Jaiminho, no entanto a vida nos traz a ironia progressiva; o olho se torna mais clínico, a verve se torna mais ácida. Tendemos a julgar os outros por sinais tão poucos que se bastam a si mesmos; não seria diferente com o grisalho sorridente que eu via à minha frente.

--...Jaiminho, essa foi boa!

--...E não é verdade? Você vende uma perna, aparece sua perna. Você vende uma orelha, aparece um brinco Stein. Você vende uma axila, aparece um perfume Cliquot. E aí vai.

Filósofo, como todos os garçons que eu conheço. Como os médicos, são todos filósofos. De tanto tratarem do sofrimento, partes deles são incorporadas ao seu viver. Tudo o que vêem a partir de si mesmos não passa de um enorme sofrer. Aí dizem: Esta daí é sirigaita, só de bater os olhos. Os médicos não são garçons mas adoram achar que sabem o menu do mundo. Doce ilusão! 

--O que você acha, Jaiminho?

--Acho que é sirigaita.

Pronto, falou o mestre; quem sou eu para duvidar? Olhar clínico, é o que diferencia Jaiminho dos outros. A moça continua lá, impávida. Pronta para um diálogo improvável, de pé num balcão absurdo de um bar que serve um pão na chapa divino. 

Mas que ela me olhou, ah sim, olhou, antes de virar de todo e sair incólume; antes de sair e derreter os corações dos transeuntes, do moço da bicicletaria, do rapaz do posto, do guarda que fica na esquina. Jaiminho deve ter suas razões que nenhum outro menu desconhece.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 4Exibido 299 vezesFale com o autor