Ah, a solidão. Lembro-me de que quando ainda podia, eu saia à rua. Hoje o risco é a alma do negócio. Então, de noite, quando todas as vozes se calam, a voz de minha televisão me fala de coisas que não posso alcançar e, de soslaio, posso ver. Posso ver nas entrelinhas, quando pinta o beijo sacana da moça desenfreada com o bom moço da novela; vejo a ardente morena sob o sol a pino, vejo o Corcovado, o Redentor esfumaçado, vejo Brasília em flor, vejo a manta seca do Cerrado. Tudo na palma da mão, aqui, bem ao toque de caixa! Cai a chuva, nada que a moça do tempo não tenha dito, a infalível dona do sorriso mais maroto da rainha azulada. Eu bem que mexo os cabelos de prata, bem que mexo os olhos de um lado, do outro...Tentando o demónio do sono que me espicaça: chegando a madrugada.
--Você não vem deitar?
--Espere, está passando um seriado.
--Depois não faça barulho!
...E minha boca, suspensa entre um gole de guaraná e um naco de bacon proibido, remói mais um momento difícil vencido pela heroína em seu caminho sagrado.
Que enfim, ninguém é de ferro.