Meus olhos já estão acostumados aos carros velozes, ao asfalto, Ã s pessoas que não conhecemos e que tememos, ao céu sem estrela cadente, `lua sem dragão, Ã s lagrimas, Ã luz artificial, Ã altura do prédios e a poluição do ar, da água e dos pombos (já quase não se vê pombos brancos a espera do milho dos velhinhos).
Meus ouvidos já não se perturbam com as sirenes, com as buzinas, com o telejornal, com a música "bate-estaca", com o dialeto tecnológico americanizado recheado de www, ele já não dói ao ouvir palavrões que agora são comuns e já não liga para barulho de tiro.
Minha boca já está acostumada a só falar quando pedirem, à se calar por comodismo, à soprar feridas, à engolir sapos e não cuspir maribondos. Está adaptada ao gosto artificial, aos conservantes, aos dedetisantes químicos e à remédios anti-stress (anti-mundo real).
Sem reclamar já sinto cheiro de cigarro, de fumaça de caminhão, de esgoto, de dinheiro, de lugares fechados, de suor, de sujeira, de aromas artificiais não tóxicos.
Minha pele já está grossa e não rala nos muros altos que tampam a visão, não se queima com os raios ultra violetas e não se fere com facadas pelas costas.
Mas meu coração...
Ele ainda vê o pór-do-sol (nem que seja por trás de um prédio alto), ainda ama a humanidade, apaixona-se a luz da lua, sonha com estrelas que ainda estão por vir, chora de alegria, se aquece à luz natural e voa com os pássaros.
Ele ainda capta as ondas sonoras das palavras carinhosas, dos risos das crianças, das declarações de amor, da poesia e das músicas de Vinícius.
Meu coração fala para quem quiser ouvir, seu amor pela vida, declama versos a outro coração, se comunica com o céu, com a terra e com toda a Criação. Ele canta e dança no seu próprio ritmo. Ele sente o gosto da vitória e da derrota, o gosto da saudade, dos sonhos e da magia.
Ele sente no ar o perfume das estações, da alegria e da casa de vó.
Se fere e sangra quando agredido, parte ao meio quando desprezado, diminui quando ignorado.
Mas se revitaliza, incha e bate mais forte quando amado.