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Cronicas-->Kelly, a princesa de lata -- 12/12/2012 - 12:48 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

--Bom, estamos aqui de novo.

--Hoje você está estranha.

--Altos e baixos, já lhe disse, tem dias que fico assim.

--Como é ficar assim?

--É como um certo escritor disse, o amor arde sem doer...isso dói, mas lá dentro. Não é na pele, mas preferia que fosse.

Ela balança o copo de gin, pensativa. Veste calças jeans, uma camiseta que tem a boca de Mick Jagger estampada, e onde se lê: Let It Bleed, famoso álbum que se contrapôs ao Let It Be.

--Nessas horas, eu durmo. Tem gente que chora, tem gente que bebe até a tampa. eu costumo puxar a coberta e dormir.

Ela bebe um pouco. Olha para mim, cintilam as pupilas na escuridão. Passa um gato angorá.

--Olhe lá, meu gato, companheiro de horas e dias, para me aprovar os trabalhos...

Sobre a mesa, desfilam seus dotes, que ela aprendeu em anos de solidão e paciência.

--És uma artista!

--Obrigado!

--Conte-me mais uma das suas.

'Eu passeava muito pelo litoral. Não sei porquê, mas sempre atraí os olhares de estrangeiros. Principalmente portugueses, que são loucos por brasileiras. Pois bem, o gajo tinha um nome incomum para um português. Chamava-se Joaquim Manoel.

Risos enchem a sala.

--Bem apessoado. Tinha um rosto anguloso, olhos de um azul acinzentado. Trabalhava num desses quiosques à beira-mar. Vendia quitutes, preparados por ele mesmo, segundo ele próprio. E aprendeu rápido os segredos da culinária local. Servia postas de peixe, mariscadas regadas ao vinho madeira. Também fazia uns doces portugueses divinos, especialidade da casa. E eu gostava de passar por lá. Era simpático, boa pessoa. Gostava de conversar com ele sobre os autores prediletos que ele gostava de ler. ele gostava muito de Florbela Espanca, também adorava Saramago e cultivava um quê de Jorge Amado, porque vez em quando soltava uns palavrões que desafiavam os ouvidos mais amenos, o que espantava a freguesia.'

'Psiu! não vê que isto espanta a freguesia? Um portuga falando palavrão! Parece que nasceu no cais do Porto! '

' Mas eu sou do Porto, ora pois!'

'Daí, caíamos na gargalhada, cada um falando mais palavrão que o outro. Devido à minha vida, digamos, pouco convencional, eu sabia até mais do que ele. Então, pronto'

' Seu quiosque era um point de jovens descolados que vinham curtir as mariscadas e a areia branca daquele ponto da praia. Joaquim Manuel se desdobrava e ganhava um bom dinheiro. Quando começou a observar conter-se melhor em seu palavreado, passou a ter mais clientes...'

' Numa noite, resolvemos fazer amor. Em plena praia, à luz da lua.'

'Mas como você sabe, eu nunca quis envolvimentos. De nenhum tipo. Eu o chamava de meu caolho predileto (óbvio que para comparar sua figura ao seu ilustre conterrâneo).E ele, entre um prato e outro, entre um vinho Madeira e um doce português, me chamava:

--E tu, tu és minha princesa de lata.'

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