O comportamento é sempre o mesmo. A ficha vem com uma queixa inespecífica: "problema urinário" , "dor genital" e algo semelhante. Você chama o paciente e alguns já começam assim, de cara:
--Doutor, seu doutor.
--Menino, em que posso lhe ajudar?
--Fiz uma besteira.
--Qual?
Aí, invariavelmente, é a história de ter tido relações sem a proteção adequada. Sim, sexo sem camisinha. E não importa a orientaçao sexual, que isso é o de menos, hoje em dia. É o fato em si. Isso é um absurdo. Tenho visto vários jovens e até gente mais madura(ontem, atendi um senhor de 62 anos com "crista de Galo") que vêm se comportando dessa maneira, de modo irresponsável. O que leva uma pessoa a conhecer outra, sem ter nada sobre os antecedentes dela, simplesmente pela aparência e sem pestanejar, transar sem camisinha? O problema parece estar aumentando. Sabemos que existem cada vez mais medicamentos mais poderosos contra a AIDS, que progressivamente postergam o desenvolvimento das imunodeficiências; Tenho uma paciente comigo que convive com o vírus há 19 anos e nunca teve nada que a levasse ao hospital. Meticulosa em seu tratamento, Dona Lourdes acompanha comigo há anos, já nao tem marido que faleceu devido à doença e tem uma visão maravilhosa sobre a vida.
Ativa, participa de atividades físicas na USP, tem um grupo de amigos, vive sozinha e cuida de si mesma com muito carinho. Ela é um exemplo reverso ao desses jovens que se arriscam, de maneira totalmente irresponsável. Isso me faz pensar, aonde está o aconselhamento? As doenças sexualmente transmissíveis são um problema de saúde pública grave. Casos de sífilis ainda vicejam, mas têm tratamento. "Crista de galo"tem tratamento, estas doenças curam. A uretrite, tanto a gonocócica como a não gonocócica, tem tratamento. Porém...A AIDS ainda não tem cura. As vacinas estão sendo testadas. Os medicamentos são poderosos. Mas...
--Menino, o que posso lhe dizer? Podemos curar sua gonorréia, mas é preciso tomar cuidado! E acho que você devia dizer isso aos seus companheiros também.
--Ah, mas aquilo lá tem cura agora não é verdade?
--Não, é mentira. A doença pode ser controlada, mas isso é de paciente a paciente. Cada um tem uma resposta. Cada paciente reage de uma forma à terapêutica! Alguns convivem com ela, outros sucumbem...A qual dos grupos você gostaria de pertencer?
--A nenhum dos dois.
--Então?
Eu procuro não assustar muito. Porque a pessoa já chega culposa, já está tensa com a história toda e ainda vai ouvir do médico: "Caramba, você vai morrer desse jeito, é louco ou o quê?" . É o fim da picada. Por falar em picada, quem trabalha na área de saúde sabe muito bem que tem de se vacinar contra a hepatite B e que, sofrendo um acidente com material biológico potencialmente contaminado, deve procurar seu serviço para o adequado tratamento e acompanhamento, que dura seis meses. No HU da USP temos este esquema. Se você for aluno ou profissional do HU e sofrer um acidente assim, com agulhas, não hesite em procurar o PA para orientações e posteriormente seguimento em nosso ambulatório. Quem quiser consulte as condutas na página do HU, na área de CCIH, Manual de Pérfuro--cortantes. Mas, voltando ao nosso assunto em pauta...
--Que você acha do que você fez?
--Bobagem mesmo doutor.
--E da próxima vez?
--Camisinha sempre!
Melhor prevenir que remediar, não acham? existem serviços especializados em tratamento de DST; procure-as se tiver dúvidas, converse com seus pais a respeito, evite problemas. A epidemia de AIDS existe, ainda, não é uma fantasia (acompanho o problema desde 1983, quando vi na enfermaria do HC, na infectologia, o primeiro paciente do Brasil com a tal doença. Os mais antigos devem se lembrar de Luis Jardim...A epidemia de lá para cá mudou de perfil, agora o grupo de risco, conceito vigente na época, não existe mais.
Ser humano é pertencer ao grupo de risco, desde que assuma o comportamento de risco. E o comportamento de risco que Mário, o jovem que atendi, teve, hoje em dia é imperdoável, dado o que se fala e o que se divulga a respeito.
Não faltam orientações nem publicidade sobre o assunto. Vamos replicar estas notícias, vamos tomar cuidado.
--Tome essas duas receitas, Mário.
--Duas?
--Uma é o antibiótico, 1 vez por dia por dez dias. A outra é de uso contínuo!
--Qual é, Doutor?
--"Juízo", sempre.