Diz a história que existia uma dama de suave beleza, maravilhosos olhos e doce personalidade. Eu me apaixonei por ela, mas tive o bom senso de não a fazer saber disso. Todas as manhãs eu via o sol nos seus cabelos, o suave regato que em cristalinas águas fluía de seus olhos tristes e sorvia o perfume de seu hálito divino; claro está que ela não o soube e se o fez, nunca se declarou a mim ou a qualquer outro. Vivia à janela e quando eu passava, esperava que saísse à luz a sua linda figura para que, de longe, eu a pudesse ver sem ser visto. Afinal, as musas, as deusas, as ninfas, as dríades, as hamadríades, todas são de outra esfera, não a minha que é de chão a chão, de terra em terra e no passo a passo. A vida de um cidadão comum é dura e de sol a sol se trabalha, na esperança de volver ao futuro que afinal nunca vem, nunca chega. Trata-se da pesada tarefa de se fazer viver, sobreviver das migalhas que a vida nos dá, enquanto sorve o néctar a deusa de longos e loiros cabelos lá, bem longe do alcance de nós todos. Onde será que dorme a musa? Num leito de ervas? Em meio de pétalas de flores muitas? Pássaros chilreiam em torno das árvores. São para ela? Sim, porque para mim é que nunca foram;bicam-me os danados, saem-se espavoridos à minha visão, escondem-se nos ninhos esperando a pedra que nunca partirá de mim pois...Amo, sem que ela saiba, e nunca o saberá decerto. O que me cabe eu sei: A dura jornada, o fogo dos dias inteiros de lida, o trabalho do pão para levar o pão seco, a meia tigela de vinho barato, que se fosse o dela, seria nada mais que a ambrósia, a bebida do Olimpo. Ah, em tempo: Fecham-se as janelas, recolhe ao sonho a mão da esbelta etérea donzela, num rangido que lembra o fim do mundo; Caminho só agora, em rumo certo, no compasso do absurdo.
É só o que me espera.
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