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Cronicas-->Crónica de uma outra Crónica de Gabriel García Márquez -- 14/05/2001 - 11:53 (Bruno Freitas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
[Tradução de uma crónica de Gabriel García Márquez, falando sobre os leitores de novelas policiais. O prazer do enigma não consiste em saber quem seja o assassino, mas, sim, em navegar por um arquipélago de pistas e despistamentos, até o momento do seu desfecho.]


A explicação para isso não é tão tola quanto parece, e tem muito a ver com a ética da leitura. Saltar páginas, para decifrar o final antes do tempo, é uma debilidade moral que a própria consciência apressa-se em castigar. O cinema policial parece estar um passo adiante: o espectador prefere ser cúmplice, desde o princípio, a ser surpreendido no último minuto por uma revelação misteriosa. E, mais do que encontrar o morto e quem o matou, o espectador agradece aos que, para participarem do descobrimento do misterioso segredo, pelas mãos o conduzem por entre os labirintos de pistas que formam a trama

A primeira versão, inédita, de "Crónica de uma morte anunciada", pertencia a esta última estirpe. Assim, a morte do protagonista seria uma incógnita até o final do livro. Não passava de mera reportagem sobre o assassinato de um amigo de infància muito querido, cometido em 1951, quando eu fazia os meus primeiros estágios como jornalista no El Heraldo de Barranquilla. Minha mãe suplicou-me para que não o publicasse, em consideração à família da vítima. Mas, depois de vinte e sete anos, ao decidir finalmente publicá-la em livro, muitos dos protagonistas mais velhos já se encontravam mortos e as novas gerações não tinham a menor notícia do drama. Foi então que resolvi, não sei por qual razão, que a morte seria revelada desde o primeiro capítulo, para que os leitores se sentissem atraídos pela trama, e seguissem lendo página por página, e talvez linha por linha, para saber não se o protagonista morreria, mas como.

O complemento foi de apenas três palavras, a posteriori incluídas no primeiro capítulo: "E o mataram". No entanto, elas sozinhas mudaram a minha concepção da história, que eu já estava seguro de haver terminado. E tive de reescrevê-la de forma definitiva, e não como reportagem, mas como novela compacta em primeira pessoa. Pois já não era vivenciada, e sim recordada por um cronista sem nome, que dela havia sido testemunha ocular, e que, ao fim de vinte e sete anos de esquecimento, havia feito uma minuciosa investigação sobre aquele crime.

Foi uma dessas inspirações inexplicáveis, que soam providenciais na vida de um escritor. A mudança de gênero obrigou-me a alterar-lhe também a estrutura linear, seu realismo direto e urgência jornalística. Revelou-me os problemas da responsabilidade coletiva e da moral interna de um drama acontecido entre adolescentes, cujas perplexidades talvez não tenham sido nunca entendidas pelos mais velhos. Compreendi, afinal, que eu próprio, tantos anos passados, já não era o mesmo. Fiz bem? Estou convencido de que sim: a primeira versão, tal como estava escrita, teria sido um desastre sem a química da nostalgia e dos atrevimentos poéticos.



Esta crónica foi encontrada na internet no endereço: http://www.revistacambio.com/




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