Gentilmente eu o convidei a tirar as mãos de minhas coxas. Deus, como se chega a um momento assim? Num dia, uma pessoa te preza, no outro, a cidade te separa da mesma, graças ao bom deus. Eu sabia, nunca acaba bem; nunca fui capaz de manter um relacionamento. Deveras, eu sei dos meus vícios: Roer as unhas, 'onicofagia', malditos tempos de politicamente correto.
--Pára com isso, menina!
Assim eu suspendia minhas atividades omnívoras à mesa, ouvindo de bom grado a oração que fazíamos pelo pouco que tínhamos:
painossoqueestaisnocéusantificadosejavossonomevenhanósovossoreinoassimnaterracomonoceuopaonossodecadadiadainoshojeperdoainossasofensasassimcomoperdoamosnossosdevedoreselivrainosdomalamem
--Pára com isso, menino!
E eu julgava seriamente a possibilidade de me suicidar até outro dia. Não que as mãos nas coxas dele se aventurassem a mais que isso, eram mãos cálidas mas sabem, aquelas mãos pegajosas que se ficam é por insistência mesmo e funcionam mais como um grude do que um truque de poder e glória. Daí, ele vinha da outra esquina e parava, perto do bar aonde eu sempre o encontrava, caindo de bêbado e o amparava, sórdida, carente e melíflua. E ele se lastimava, como se lastimam todos os cafajestes e incautos sonhadores, e ruminava palavras incompreensíveis, e orava sua prece indescritível, que por vezes me acabrunhava, por outras me contaminava de êxtase, dava dó de ouvir:
santamariamaededesuajudaime, daime a bençao devossofrutoeventre,amem
--Pára com isso, Hermínio!
E cada vez que ele sai de minha cama, onde como uma aranha eu teço minha teia, como Ariadne tecia seu fio do inferno, eu vejo meu guerreiro partir, vítima da medusa de um sonho perdido. E eu suspiro porque, impávida, gozei que nem uma doida e,de nojo, virei o rosto e não fumei o seu trago medonho, bafio azedo de vagabunda paixão.
--Vai tarde!
--...Vou, mas você gosta.
Pior que é verdade.
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