Você acredita em algum deus? Isto é, você acredita em outro tipo de existência, uma mais que a outra ou, quem sabe, uma mais transcendente, onde se suavizem as arestas dessa nossa louca vida? Meu amigo tende a não acreditar em mais nada. Diz ele ser mais feliz assim, desde que assumiu o Nada como o Deus absoluto. Tem mais paz de espírito. Os budistas têm então razão: O Deus Absoluto não passa de Nada Absoluto, o que nos aguarda mais além é um vácuo sem fim, sem sonhos e perfeito na sua não-existência, onde nos tornaremos unos em um só, um Osíris retalhado e obscuro, dentro da máscara de ouro; onde seremos escaravelhos garatujando nas páginas do universo a quintessência do Não- Dizer, não tendo nada a fazer com o Nada absoluto onde reina a paz, difusa e abençoada.
Você acredita em algum deus? O Nada que nos segue à espreita como fora uma sombra não lhe diz nada, então? Os sussurros do Nada nada lhe dizem, no farfalhar de folhas batidas ao vento do Outono Eterno? O que lhe diz Hermes sobre o espírito do vazio? Se os tibetanos estiverem certos, Seremos um Bardo do eterno retorno, e ao Nada nada se seguirá, em infinitas essências noturnas, quando nossas asas diáfanas brotarão de casulos infinitos, em outros sonhos de infindos corredores, para nos batermos em postes de luz da estrada de ...Um Deus que em nada acredita?
Você não acredita em Nada? Que ao vazio se some o vazio e o copo se esvazie do ar que lhe cabe, que caia a última folha sobre seus lábios sedentos do ar que lhe escapa, que lhe movam os músculos do rosto, doridos da lágrima que dói em sair, que lhe mandem flores em seu funeral, e mais Nada?
Nada disto me importa mais. Sigo em paz, porque muito mal se faz querendo se fazer o bem e o bem que me faço é seguir a vida que me dá a intuição e os meios de saber que ao nada, Nada se apõe. E sigo com as estrelas brilhando em minhas asas de água cristalina.
Rasta-me acordar.
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