Ganhei um presente: Uma lente de aumento. Vivia aumentando as coisas: Uma formiga se transformava em bicho terrível, uma lagartixa em gigantesco dragão chinês, uma joaninha se transmutava em carro voador, bem parecido ao fusca. Não contava com a ajuda do mundo, não, até porque ninguém iria compreender o mundo macro aposto ao micro. Neste mundo sem surpresas, nada me soaria tão mal quanto um "vá cuidar de suas coisas, menino" ou coisa que o valha. Então, eu me fechava em meu microcosmo, convencido de que vivia numa terra de gigantes.
Ah, a poesia da infância, como se torna rara com os dias que passam; pois ao dia que se soma, soma-se mais um dia e mais um se interpõe entre um e outro, com intervalos de sonho e preguiça. As pobres formigas enfrentam o holocausto do sol, as joaninhas voam espavoridas e as centopéias se escondem de minha raiva porque no mundo da criança, o ódio brota como o amor, sem rédeas morais; porisso, somos tão puros, tão firmes nas resoluções absurdas, mas lógicas.
Ao dia se junta outro, mais um entre os dois e os sonhos recheados de alegorias de permeio. Ninguém me compreenderia por inteiro, portanto ao canto do cisne da infância se soma a subreptícia primavera do homem. Entre os dias ocultos, tempos dourados de sonhos severos de santa lucidez e delírios de espasmo. Já a lente? Fica de lado, peso de papel e de cartas nunca respondidas. Eu diria que, aos dias que se foram, somam-se os dias que se vão e no disfarce absoluto, voou a infância e agora, dissimulado, eu queimo minhas cartas na solidão de Outubro.
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