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Cronicas-->Forrinhos sem alforria -- 05/11/2013 - 15:44 (Brazílio) |
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O Senhor Leão encerrou solenemente sua preleção desejando-nos boa sorte e nos
distribuindo os pacotes individuais que continham a mercadoria a ser vendida:
pequenos forrinhos de plástico que imitavam as guarnições.
Éramos uns dez, entre moças e rapazes, os aspirantes a vendedores. Era hora de
botar mãos - ou bocas - Ã obra. Não sem antes de firmarmos uma promissória de
150 cruzeiros novos que nos responsabilizava perante o consignatário.
De volta para a pensão onde eu me hospedava, que ficava no Bairro Santo António,
uns quinze blocos distante da Affonso Penna, resolvi fazer o percurso a pé por um
par de razões - além dos sapatos que eram bem turrões: poderia refletir sobre
como colocar em prática os sábios ensinamentos do Mestre Leão e economizar os
trocados da passagem do lotação.
Sem lírios de campo pra considerar, dei uma espiadela nos forrinhos: eram por
demais pequenos, pouco graciosos, mas laváveis. Seriam também vendáveis?
As estratégias de abordagem é que me preocupavam um pouco - mais. Eu já havia
vendido limões, ainda menino, no meu povoado, quatro por um Tamandaré, mas
eram de qualidade, conquanto amargos, digo-lhe a verdade; havia vendido
bananas que, embora compradas aos cachos e por nós consumidas à s pencas,
ainda resistiam e se apodreceriam se não fossem passadas pra frente, demais,
eram vistosas, cheirosas e gostosas. Daquelas bananas maçã que não
empedravam. De comércio ainda, havia vendido umas garrafas de fundo de
quintal, cuja limpeza me deu um trabalho danado, mas ao cabo, fora premiado:
cinquenta centavos, no bar do Teco, que logo transformei num par de reluzentes
bolinhas de gude.
Agora, os forrinhos ali, sobraçados. E meus dezoito anos já completados -
responsáveis até para assinar a promissória do Senhor Leão. Era estudante
iniciante de Letras, diploma de alemão, teria a temer o rugido do Leão?
De locubração em locubração, cheguei à pensão. Tinha a tarde à minha frente, a
cama ali rente. E foi no sono que caí, leituras da linguística, do Deutsche
Sprächlehre fur Ausländer podiam esperar. E minha estratégia de vendas se faria,
inicialmente, na minha cidade, bom campo de treinamento, para depois tomar de
assalto a capital.
Fui pro interior no primeiro fim de semana, aproveitaria pra comer bem, ter roupa
lavada e comerciar. De minhas primeiras invectivas, não precisei de muito para
convencer minha mãe e tia Rita das virtudes do novo produto. Dali pra frente,
porém, foi que emperrou o trem. Gente conhecida, vizinha ou mais distante não
achou toada em minha conversa e menos ainda na mercadoria persa.
Na volta à capital, pude perceber quanta falta faz a fala, sobretudo pra quem se
cala. Alemão parecia mais fácil. Já não me lembro agora se devolvi os forrinhos
restantes ao emérito Prof Leão ou se ele vem tentando executar a promissória. São
trinta e nove anos de história. Quem resiste, impermeável, e com o mesmo
descolorido original é o forrinho de mamãe, que chegou a entronizá-lo sob o nosso
oratório. |
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