Olhava o céu à noite, sem nuvens. Não havia nem uma mancha de umidade, nem um traço de algodão que atrapalhasse a visão da plenitude dos domínios do Zodíaco. Então, se podia ver as Plêiades, a Três Marias e o Cruzeiro do Sul, orientando os navegantes do mundo em seus oceanos particulares. Era Outono e no ar seco, vinha algum perfume inefável de alguma flor tardia, sabe-se lá de qual arbusto dos tantos que haviam ali.
Súbito, risca o céu uma estrela cadente! O risco luminoso não dura mais que um segundo, cheio de cores difratadas, é um clarão azul claro, talvez tendendo a um matiz roxo. Imagino ouvir o rugido da explosão ao longe.
Meu pai está perto e vê meu olhar admirado.
--Gosta de olhar estrelas?
--São nossas irmãs do firmamento!
--Aquelas ali( e aponta as Três Marias) orientam navegantes assim como aquelas outras ( e aponta o Cruzeiro do Sul) também os trazem de volta aos portos de onde partiram.
"Sabe, quando tinha mais ou menos sua idade, meu pai, que era camponês em sua origem, tendo participado da lavoura do café, me contava histórias... A mais bela delas dizia que onde caem as estrelas do céu, nascem anjos, ou sereias luminosas. Dizia ele que ficava à espera do riscar luminoso para sair aos campos e caçar sua sereiazinha; no entanto, dizia para ter cuidado, porque elas, ao contrário das estrelas que orientam os pescadores para a volta segura à sua casa, cantam melodias harmoniosas de tal beleza que os homens perdiam a razão ao ouvi-las e mergulhavam no mar para perderem tragicamente suas vidas."
"Mas, pai, como assim? Estrelas caindo na terra?"
"Na verdade, há muita realidade nesses mitos, nessas histórias. Veja, há os que acreditam que tudo isso aqui" ( e ele abraçava com suas mãos as árvores de nosso sítio, as plantações de banana dos vizinhos, nossa pequena horta, ao longe o galinheiro silencioso àquela hora), "tudo foi semeado. Chama-se de Teoria da Panspermia; mas imaginemos que o Cosmo é um imenso repositório de Vida, das mais diversas vidas que você possa imaginar. Uma dessas estrelas que cai entra na atmosfera de nosso planeta convulso...e ele se torna azul, e surgem as flores, e surgem as árvores e tudo isso aqui..."
A longa baforada no cachimbo ilumina seu rosto, o cheiro adocicado do tabaco que ele mais gosta inunda o ambiente da noite serena. Um grilo, outro pássaro em cantoria solitária. Penso em outra eras e em quantos meninos como eu olham o céu cheio de esquisitos animais estelares, pleno de brilhantes e imagino quão poucos podem conversar assim com um pai que conta as lendas que seu pai contava.
Outra estrela risca o céu, dessa vez um risco laranja.
Meu pai olha de lado. Me dá um samburá que ele traz da sala.
--Vai, pega tua sereiazinha. Não esqueça de tapar os ouvidos.
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