Eu não sei mentir direito, e desde que cresci, que já não minto tão bem. Quando era moleque, driblava a vigilància de minha mãe, com relógios atrasados durante a madrugada da minha chegada para as noites de dormir cedo, evasivas sobre assuntos polêmicos em respeito a drogas, e até concentração e auto-controle para evitar a percepção de uma bebedeira, que também eram consideradas pequenas mentiras a prestação. Na verdade, como disse Veríssimo numa de suas Cronicas, "os homens aprendem a mentir com suas mães, para mentirem com as professoras, e depois para as respectivas esposas e futuras namoradas". Mas tudo isso, em prol do amor que os homens sentem pelas mulheres que os cercam. Ninguém nunca ponderou sobre o tamanho destas mentiras. Para alguns não passariam de pequenas mentiras, enquanto para outros, tornam-se casos de vida ou morte, quando o assunto é omissão: "Por que você não me disse nada?", diriam as esposas indignadas, ou quem sabe as mães desesperadas. Confesso que eram pequenas mentiras, mas que nunca fui capaz de mentiras tão grandes.
Gostaria de poder dizer mentiras grandes, de poder dizer em alto e em bom tom, que sou melhor do que eu mesmo acredito. E que se pudesse fazer isso, talvez acreditasse realmente nas minhas próprias mentiras. Gostaria de poder transformar-me de uma hora para outra num mestre de todas as coisas, e que se mentisse bem, faria com que acreditassem no meu logro, e seria vítima mim mesmo, sendo enganado pela própria sombra. Acredito piamente no fato de que se pudessem mentir bem, seria campeão em tudo, e que no colégio, ganhara prêmios em campeonatos de xadrez, medalhas esportivas, e que até mesmo decorava os ditados em voz alta, recitados pela professora do primário. Gostaria de poder dizer friamente, que possuo doutorado em Teologia, e que só não fui padre, por uma disfunção em relação ao celibato. Gostaria de dizer que transformei-me em mestre em tudo que fiz pela vida, e que só não alcancei o sucesso e a aclamação popular, foi por que essas coisas não combinam com meu estilo de vida. Pois, gosto de viver recluso sem apurrinhação, e que as pessoas pra mim são obstáculos, e que se eu pudesse e o meu dinheiro desse, compraria uma ilha deserta, e lá viveria pro resto da minha vida.
Mas eu não consigo mentir, mas se conseguisse, faria misérias no Congresso, fraudando eleições, alterando placares, recolhendo tributos, e promovendo apagões de memória no povo brasileiro. Participaria de concorrências públicas, onde usaria de toda minha destreza política e invejada, para agraciar-me com recursos legítimos do governo, com os quais bancaria projetos pessoais em benefício próprio e aumentaria o prestígio espalhando tributos pela imprensa e fazendo-os aliados. Alteraria meus currículos, de acordo à s minhas necessidades, e talvez fundasse um jornal, uma gazeta, um folhetim, um fanzine, uma revista em quadrinho, pois, a verdade, está escrita, e o que é escrito, só pode ser verdade. Porém acredito, que existe uma responsabilidade para com as palavras, com as ações, com as atitudes, e com as posições políticas, sindicais, governamentais, etc e tais. Pois é, essa responsabilidade que me impede de mentir. Acredito que seja uma responsabilidade consigo mesmo, que manifesta-se através da consciência de todos nós. Portanto, se eu soubesse mentir, ou mentisse tão bem a ponto de enganar minha própria consciência. Seria uma pessoa mais feliz?
Falso eu seria, muito falso. Por isso não consigo mentir. Gostaria de ser um pouquinho mais falso do que sou, para poder repetir as piores e maiores mentiras, pois, tudo que sei dizer, são as pequenas mentiras inofensivas, e nada mais. A consciência é uma sensação pesada demais para suportar. Quem sabe se eu mentisse um pouquinho mais, conseguiria enganar minha consciência. Não consigo nem convencer-me de que isso é uma verdade. Aliás, creio que fui evasivo e não menti direito, a ponto de que acreditassem em mim. Oxalá, a vida me ensine a mentir direito. Pois, acho que com o tempo, e logo após dezenas de cacetadas cotidianas, passamos a mentir melhor, e mais resoltos. Acredito que na minha velhice, serei capaz de inventar aeroplanos, construir telescópios, sair vitorioso de contendas, ganhar concorrências, alterar placares eletrónicos, direcionar decisões políticas, influenciar eleições, e terei esquecido as pequenas e inofensivas mentiras. Aliás, também não sei mentir na internet. Acredito na palavra escrita, e que ela é santa e sagrada, e diz sempre a verdade. As pessoas parecem acreditar bastante, quando algo está escrito.
Então vou escrever na parede de casa, que sou um grande mentiroso. Talvez assim, e que ainda me é muito arriscado, passarei a mentir melhor. Talvez nesse dia, pudesse mentir melhor, o que por sua vez, não me faria sentir melhor. Pois, seria enfim, que descobriria, que mentir melhor não seria a solução, e que talvez devesse inventar uma consciência coletiva, como essa que me assalta de madrugada, impedindo-me de dormir.Talvez fosse melhor aprender a mentir, pois, quem sabe aí, serei também melhor em tudo, campeão em todas as coisas, mestre nos assuntos da vida, inventor de aeroplanos, construtor de telescópios, e quem sabe um dia, eu possa descobrir bem longe daqui, algum sinal de vida inteligente em outros planetas, que me levassem para longe de tanta mentira e falsidade.