ó um momento. Um pequeno segundo, é isso o que me resta; chego a ver as gotículas de luz, misturadas ao sol que arde no Infinito, resumindo em si mesmas o mundo todo. O pássaro, de barriga laranja, piados longos, congela-se no instante último de seu vôo, o bico cheio de pedaços de grama para o seu ninho secreto. Ele está lá, bem à esquerda, asas iluminadas por detrás pelo clarão da manhã luminosa. Há silêncios que só nestes derradeiros minutos é que aparecem, pois que nossa realidade é como que composta por miríades de existências paralelas, toas imperceptíveis e que só se fazem ver quando as fixamos em quadros, frames de um filme, fotogramas de uma lentidão insuportável; em quantos segundos se decompõe a queda de uma gota de chuva, ou um canto de um pássaro esquivo, ou o drapejar de um vestido num açoite de um varal varrido por ventos de um platô à beira-mar? Em quantos microssegundos a asa do beija-flor faz das suas, num clarão verde-dourado, enquanto ele suga seus néctares de uma natureza benevolente e triste, à sua maneira de ser?
Só um momento, eu penso. Em tudo o que há, há um momento. No movimento que originou tudo, houve a inércia e em um flash mais rápido que a luz, houve o Início, e a expansão que continua até hoje, e a minha vida se resume neste momento, numa panorâmica visão enquanto meu ar se esvai de meus lábios, meus olhos se enchem da beleza do mundo, meus pássaros se vão das gaiolas e as flores me compreendem em seus amplos e largos movimentos com as rajadas da brisa que as anima a espalhar suas nuvens de pólen e a receber em suas entranhas as abelhas, cada vez mais raras, e os besouros e as formigas, e os bicos e as dores do mundo.
Um momento! Eu peço somente isto a vocês, a paciência de lerem este brevíssimo texto, como deuses de compridos olhos, imersos em seus pensamentos de importância inescrutável; leiam e vejam que em meu momento, em meu ciclo de luz e sombra, posso fazer nascer um mundo, à maneira de uma pequena divindade; eis porque somos deuses em nossa essência, porquanto nos fazemos de inocentes mas somos todos a própria presença do Cosmos, num grito/sussurro/gemido/choro que abrange um infinitesimal momento, num gigantesco carrossel que é este nosso viver. E tudo se repete, em várias escalas, em infinitos mundos, em várias visões, em cores diversas e em ares diferentes.
Tudo o que peço é um momento.
"--Um momento. Droga, choca,checa"
"--Vinte minutos; não há pulso"
"--Um momento. Há pulso!"
Onde há pulso, há um momento, há vida, há luz.