--Cafajeste!
A palavra ribombava em seus ouvidos, ele dava de ombros. Que tem de mais? Afinal, nem todo homem é perfeito, mas ele era feito de carne, suor e lágrimas. Não professava entre os que querem a vida reta, mas era chegado em suas curvas. Talvez inspirado em Bob, vivia nas sinuosidades, nas rabeiras desse mundão. E como vivia! As sirigaitas percebem o sorriso mole do safado, parecem atraídas qual mariposas para suas luxúrias. Está escrito na testa?
--Que será que elas vêem em mim?
--Sou suspeito em falar; mas acho que você vacila demais.
A gordura se acumula aos poucos, ele nota nas toalhas amareladas do boteco que frequenta e já cansou de avisar o proprietário de que, assim menos clientes vêm. No entanto, ele, curiosamente, é o mais fiel deles.
--Sou fiel!
--ô!
--Não me desespere. Sou fiel, veja: A toalha pode estar amarelada, o chão encardido, as moscas teimam em pousar no vidro da frente, mas eu sempre venho aqui.
--Vacilo!
Ela lhe mandara embora, pela enésima vez. Já não tinha nem coisas, tinha um par de livros, a malinha surrada de tantas idas e vindas, um par de calças e algumas camisas que mandava passar fora de medo que ela as furasse de raiva; afinal, tinha de manter a compostura pelo menos no trabalho. Chegar lá, na seção, de colarinho que nem palhaço era o fim da picada!
--Hoje tem marmelada?
--Vai tomar no...
--Olha a classe, porra.
--Obrigado por me lembrar.
E o sol se pondo é vermelho, as nuvens são cirros azuis de um poeta maior, que os menores estão nos jazigos e sua vida não tem poesia nenhuma agora que ela lhe deu um pé na bunda. Traga o cigarro com gosto. Os olhos ficam injetados com o sabor da nicotina barata e uma ligeira tontura o faz lembrar que o médico já lhe disse que dois maços por dia...
--Não desvia do assunto, cara. Vacilou de novo. Ninguém gosta de vacilão. Tinha de fazer aquilo?
--Camarada, tenho tutano nos ossos, mas não tenho sangue de barata. Ela facilitou; me olhou com aquelas curvas todas, de longe! Tinha de conferir de perto.
--Você não consegue ficar quieto? Olha aí o resultado. Onde vai morar?
--Ora, na pensão de dona Isilda.
--Não acredito.
--Pode acreditar. Ela tem um quarto vago, dá para os fundos, tem uma bananeira dando cacho, umas outras laranjinhas e muita hortaliça para perfumar o quintal. Fico lá mesmo. Minhas tralhas são poucas, cara.
O amigo, já vacinado, já se acostumou. Sabe que às vezes, o destino escolhe um homem e outros tentam escolher o seu. O seu amigo nem escolhera um nem fora marcado por outro. Ele apenas...
--...Apenas vivo. Vou escrevendo aqui o que posso fazer de mim.
--Tem é de sossegar o facho, cara.
--Passe a cerveja.
--Nem me ouve.
Nisso, entra o pivô da tragédia. cabelos presos de lado, à la Black-Power. Olhos expressivos, bunda marota, pernas idem( vem de short, a danada). Sem ver o nosso herói, pede uma vitamina. Claro está que olhos pousam nela, os olhos de toda gente ávida por um carinho fora de hora. Olhos ávidos e suculentos, olhos babões, olhos de todo o mundo; ela sabe, ora pois, ela sabe e isso lhe infla o ego, ela tem um sorriso pespegado no canto dos lábio, lambe um beiço de jeito pernicioso ao tomar seu refresco e os amigos se entreolham.
--E agora?
--Agora, meu amigo, é com você.
Nosso herói se levanta e vai até ela que não o percebeu, decerto.
--Oi!
--Você, por aqui? Cafajeste!
O que se vê é uma chuva de vitamina sobre uma cabeça avariada; passos rápidos de quem se revolta. A conta fica por conta do Abreu. Lá vai o amigo desacorçoado, cheio de bananas, pedacinhos de mamão e morango na camisa recém-lavada.
--Ué.
--Que foi isso?
--Mulheres. Decerto, agora ficou sabendo de minha condição.
Outra voz se ouve ao longe. Não reza pela mesma cartilha essa outra, cresce num uníssono, um duo de vozes mancomunadas. Agora é tarde.
--Veja mais cerveja. A manhã, hoje, promete.
|