Olha, caiu um botão ( ou Button, curioso não ?), no chão e vou contar só para vocês, mas aconteceu. Depois vão dizer que sou mentiroso, que vivo inventando personagens e romanceio a vida.
Que nada, pois se acontece, acontece. Sou materialista eclético, meu amigo. Creio na matéria, mas vassouras há e há as que voam; tem vassoura até de palha-de-aço, vai lá saber? Vassoura cibernética, daquela que a bruxa chama pelo button (ops) e já sai na garupa, rumo ao sabá. Então, sou materialista eclético, ué. Posso ser?
Curiosos, vocês estão morrendo de vontade de saber o que eu vou contar.
Pois bem; era por volta de onze horas da manhã, havia sol mas um vento promovido por certas circunstâncias que só a Maju pode explicar levantava folhas em toda a parte. Por efeitos de um eco, dado que o lugar onde estava fica no alto de um morro, ouvíamos a todo vapor música sertaneja a dois quilômetros de distância. Uma dor de cotovelo só, era um tal de corno pra lá, beijo roubado pra cá que dava dó do cantor. Música boa, cheia de charme e harmonia! Se muito não me engano, eram Milionário e Zé Rico que cantavam. E a música...
--Pára de enrolar a moçada.
--Como assim?
--Você disse que caiu um Button, fica falando agora de música sertaneja.
--Mas posso contar minha estória?
--Pode, mas assim até parece Tchaikovski.
--Não seria, talvez, mudando assim de pato para ganso...Dostoiévski??
--Pára de enrolar.
Bom, está bem, de certa forma há razão nos reclamos; isso eu sei fazer bem, contar uma estória, mas isso já é história, porque um fato real, uma vez acontecido, faz parte da História, ao passo que a estória...Mas voltemos. Milionário, Zé Rico. Eco. A música. Eu sob o sol intenso que definitivamente não era da Toscana, muito embora meu modesto canto tenha charme e elegância de um cartão postal.
Bem, as folhas caiam, os pássaros escondidos chilreavam a música pairava em ondas sertanejas no alto de nosso morrinho.
Súbito, ouço um brado vindo da folhagem ao lado:
--Socorro!
Lembro-me de ter ouvido um berro assim quando morava na Aclimação e perto de nossa casa havia um morro; a voz de um homem gritava por socorro e pedia para que alguém o ajudasse:
--Socooorro: Me ajudem!!!
--Não vai adiantar nada, vamos te levar...
Essas vozes nunca mais saíram de mim, porque era a época da repressão e em minha fantasia, eu via o pobre homem sendo levado sabe-se lá a qual calabouço, dos muitos que haviam na época. De tal maneira que o grito, repetido, acendeu uma luz terrível em mim. Era um brado sufocado, terrível, fundo; passava-se quase um segundo e repetia-se o grito.
--Socooooooooorrro!!! Socoooooorro!
Desembestei a correr, abri o portão de minha casa e saí à rua. Incrível o que se passa dentro da cabeça da gente: Vi um carro cinza-metálico e dois camaradas entrando nele. Pensei, deve ser um sequestro. Corri EM DIREÇÃO ao carro, para pará-los, ou sabe-se lá o que me deu na cabeça. Porém, tranquilamente, eles saíram. Imaginei logo então que fossem dois idiotas querendo brincar de palermice. Quase amaldiçoei os dois, imbecis. Porém...
--Socoooooooooooooooooooooooorrrrooo!!
Dessa vez, gelei da cabeça aos pés. Não eram os imbecis do carro cinza-metálico. O berro vinha de uma casa próxima. Corri até lá e, através do portão fechado, deparei com a seguinte cena: Um carro, Corsa azul, duas pernas saindo debaixo do carro e a voz abafada pedindo...Socooooorrrooo!!!
--Meu Deus, homem, você está preso aí?
--O carro caiu em cima de mim!!!
--Como faço para lhe ajudar? Como abro essa coisa?
--Não tem como!
Já havia sufocação na voz do camarada. Daí, fiquei louco. Bati no portão, gritava feito um possesso: O camarada amassado sob o carro e eu, sem poder abrir a porra do portão elétrico. Nunca me senti tão inútil!
Daí, aparecem as pessoas de dentro da casa e eu ordeno para que abram o portão. O camarada debaixo do carro. Um dos moradores correu e pegou...O macaco! Nunca um macaco foi colocado em ação tão rapidamente. Ergueu-se o carro, saiu de lá o tal amassado...Milagrosamente intacto, sem um ferimento, sem aranhão algum. Nada, apenas um tremendo susto. Eu dei uma olhada nele, estava tremendamente nervoso, óbvio.
--Estava trocando uma coisa do eixo, aí, ó ( apontando a roda).
--Sim?
--Daí, o carro deslizou!
--Mas, você brecou o carro?
--Achei que tinha brecado...
Meus amigos curiosos do caso que não é o curioso caso de Button, noves fora, nada; aconselhei o rapaz a ir a um hospital. Você deixa um carro cair em cima de você mesmo e vai tomar um cafezinho depois? Ou, pior, vero Brasil ganhar do Peru para salvar a honra do futebol tupiniquim? Decididamente, não. Ele prometeu que ia, mas agora só queria...descansar. Só descansar.
Olhem só, se ele estivesse sozinho em casa, se o carro tivesse deslizado mais rápido, se eu não tivesse ouvido seu grito...Ele...Bem, mas graças ao bom santo dele, porque eu sou materialista eclético, graças ao santo dele, ele se salvou.
Ainda não acabou! Subi de volta ao meu canto, sentindo pairar perto de mim certas asas ( que eu atribuo ao vento que segundo Maju vai mudar o tempo nas próximas horas em São Paulo) e passei por um matuto que mascava uma graminha perto da calçada, meio que assim olhando de soslaio, sabe? Os matutos sabem das coisas.
--Aconteceu nada não, né, seu moço?
--Não, não; aconteceu nada não. Só um carro de duas toneladas que transformou nosso amigo em um pão quase amassado; mais nadica, não.
Vou me arretirando, seus curiosos. Sou é materialista eclético, o tal vento passou e pousou no muro da casa do suarento que agora chorava. Eu entrei em casa e pensei:
--Viver é perigoooooso!
Maju, vai acertar assim na casa do chapéu.
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